Na última jornada do campeonato nacional de futebol, José Mourinho, treinador do Benfica, no final do jogo do Dragão, contra o FC Porto, declarou: “Não podíamos perder este jogo. Estamos a quatro pontos, ficávamos a sete”. E declarou-se satisfeito com o 0-0 registado. Nestas eleições autárquicas, José Luís Carneiro poderia ter dito o mesmo: perdendo claramente, ficaria a sete pontos. Ou mais. Portanto, a “pequena-derrota” (sem ganhar nem Lisboa, nem Porto, nem Sintra, nem Braga, nem, à hora a que escrevo, a maioria das Câmaras, mas ficando muito perto), mantendo-se o PS como grande partido autárquico e garantindo, nas autarquias, o bi-partidarismo, com o PSD, serviu perfeitamente para que José Luís Carneiro tenha feito uma proclamação de “empate”. Um zero a zero que se confundiu com um suspiro de alívio. O que não disfarça as derrotas impensáveis de Alexandra Leitão e Manuel Pizarro, nem a da “figura nacional” Ana Mendes Godinho, que perde com uma figura local, em Sintra.
Ventura fez a primeira parte da campanha para Belém
O Chega, que era a grande incógnita destas eleições, tem menos câmaras que a CDU e, à hora em que escrevo, não se sabe se apanha o CDS. Mas o balde de água fria que se abateu sobre o partido da direita radical e populista – com resultados fraquíssimos no Algarve, exceto em Albufeira, e no Baixo Alentejo (cerca de 10% em Moura, a cuja assembleia municipal o eleito em 2021 André Venturia faltou 30 vezes) não é o desastre que alguns, esta noite vaticinaram. Por baixo da fina camada das cores laranja e rosa que voltaram às infografias dos resultados eleitorais, nos mapas nacionais, esconde-se uma mancha com o azul escuro do Chega. Mesmo sem nenhuma figura de jeito para apresentar nas candidaturas locais, consegue meio milhão de votos e ser terceira força, em número de votos e de mandatos. Foi uma noite amarga para Ventura, sim, embora, como Álvaro Cunhal, nas palavras dele, ganhe sempre. Mas não tão amarga como se pensa: toda esta campanha autárquica interessou-o pouco. Interessava-lhe, isso sim, tomar a dianteira na sua primeira volta para a campanha presidencial. Estava em todos os cartazes, e praticamente, nas intervenções de campanha, só falou ele (os candidatos não tiveram permissão). O projeto Chega é unipessoal. E o próprio Ventura, ao início da noite de ontem, quando percebeu que não ia conquistar nada de especial, marcou novo encontro para 18 de janeiro (data das eleições presidenciais), para um tira-teimas. No mesmo passo, reduziu à insignificância alguns dos seus delfins, para baixarem um pouco “a garimpa”, sendo o caso mais notório o da derrota copiosa de Rita Matias, em Sintra. Rita Matias, Pedro Pinto, Pedro Frazão ficaram a saber que não podem comparar-se ao líder. E que, mais do que nunca, dependem dele. Desse ponto de vista, o do reforço do poder pessoal, o único que lhe interessa, o líder do Chega é um vencedor.
Pizarro e o efeito Harry Kane
Manuel Pizarro arrasta consigo, voltando ao futebol, o síndroma Harry Kane. Mas se o ponta de lança do Bayern já quebrou a maldição e, na época passada, finalmente, lá ganhou um título, já o eterno candidato do PS à Câmara do Porto ainda não foi desta que o conseguiu. Dificilmente alguma vez consegue.
Já Alexandra Leitão arrasta consigo o PS, nesta derrota, e oferece a segunda derrota do PS de 18 de maio, uma derrota que, assim, é, também de Pedro Nuno Santos. O excessivo protagonismo dado ao BE e a Mariana Mortágua, incluindo em fotos e imagens de televisão, terá sido tóxico e feito mais mal que bem.
CDU, a luta continua!
A CDU sobrevive, sobrevive sempre, mas não disfarça a amargura de, pela primeira vez, não deter uma capital de distrito. E, no taco-a-taco desta guerra dá e leva, lutou com galhardia contra o assalto do PS e… do Chega: foi bonita a luta em Sesimbra, pá!
Luís Montenegro pôs a fasquia alta: “Estas eleições são, também, uma forma de sufragar as políticas do Governo”, declarou, mais ou menos com estas palavras. Ganhando Lisboa (com o incumbente Carlos Moedas) e o Porto, com a sua escolha, Pedro Duarte, Montenegro mantém-se em alta. E isso é fundamental para olhar de cima para baixo, por exemplo, para André Ventura. Não é pequena coisa.