Ser associado a Rui Moreira – o atual autarca do Porto, que se recandidata – revelou-se o maior insulto do debate entre os 11 candidatos à presidência da Invicta. Da esquerda à direita, todos apontaram erros a Moreira, mas ouviram-se poucas propostas alternativas, no único debate com todas as forças políticas concorrentes, transmitido pela RTP, esta terça-feira, a partir do salão árabe do Palácio da Bolsa, no Porto. Sendo que o atual presidente também não prometeu mais do que uma gestão de continuidade.
As duas horas que o debate durou revelaram-se insuficientes para que todos os candidatos se pudessem pronunciar sobre os principais temas: a habitação, a regionalização, a segurança, a emergência climática. Mesmo assim, no tempo que lhes foi concedido, a maioria optou por não apresentar as suas propostas, tendo ficado pouco claro o que distingue a oposição de Rui Moreira.
Regionalização
Todos são a favor.
Um a um, todos os adversários de Rui Moreira consideraram que o autarca não fez o suficiente para incentivar a descentralização de competências. Vladimir Feliz (PSD) sublinhou que, por isto mesmo, o “Porto tem perdido força no País – por se falar muito e se agir pouco”, mas deu um desconto a Moreira ao recordar que, para fazer a transferência de competências, é necessário que “venha o envelope financeiro”. Ideia rejeitada pelo candidato do Chega, o presidente da União de Freguesias do centro histórico do Porto, António Fonseca, que defendeu que não se deve “recusar algumas competências, porque não vem o envelope”. “Depois manda-se a fatura ao Governo”, apresentou como solução.
Já Rui Moreira reagiu às acusações transferindo-as para cima dos socialistas: “o senhor deputado Tiago Barbosa Rodrigues [candidato do PS] – que está no Parlamento e é um dos responsáveis por a regionalização não ter sido feita – que avance”. Juntou-se às criticas ao PS e ao PSD Ilda Figueiredo – atual vereadora na Câmara do Porto e candidata pela CDU – que pediu a palavra para sublinhar que os comunistas “já apresentaram várias vezes um calendário, com datas muito claras [para avançar com a regionalização], mas a verdade é que o PS não quis, nem o PSD”.
Especulação imobiliária
Questionada sobre a pressão sentida nos preços das casas, a deputada, líder parlamentar e candidata ao Porto do PAN, Bebiana Cunha, identificou o tema como um dos “mais graves da cidade”, criticando “a ausência de planeamento” do executivo autárquico, que preferiu, nas suas palavras, “adiar uma solução”. E “temos quase dez mil alojamentos locais na cidade” – contabilizou Bebiana Cunha – “é preciso regular esta atividade”.
Por sua vez, Diamantino Raposinho, do Livre, agarrou na ideia da deputada do PAN e acrescentou que essa regulação “tem de prever limites”. “E assim que forem atingidos os limites não pode haver mais alojamentos locais na cidade”. Diamantino Raposinho propõe que as licenças deste alojamentos tenham uma renovação anual e que sejam fiscalizadas para garantir que as casas estão a ser utilizadas para este efeito, porque, caso contrário, “podiam ser usadas para habitação”.
Diogo Araújo Dantas, do Partido Popular Monárquico (PPM), referiu-se a uma cidade que se tornou “um shopping de multinacionais” e defendeu que há que fazer algo para que “os jovens não sejam todos inquilinos da câmara”. E André Eira, do Volt, insistiu na criação de “cooperativas de habitação, focadas em arrendamentos a custos controlados” para que “os cidadãos consigam morar no Porto” .
Para Ilda Figueiredo (CDU), a solução deveria passar por mobilizar os fundos do Plano de Recuperação e Resiliência (PPR) para a recuperação de casas abandonadas, tendo em vista resolver o problema das famílias em situação de carência.
Problemas sociais
No tema da habitação social, Bruno Rebelo, candidato do Ergue-te!, mostrou-se defensor de uma política “de respostas de emergência em situações de desemprego, de doença e não perpetuando [estas soluções] no tempo, porque a habitação social é o dinheiro de todos nós”.
Já para Diamantino Raposinho (Livre), a maior preocupação é não “continuar a criar guetos pela cidade”. “As pessoas devem poder habitar em toda a cidade, quer tenham rendimentos baixos ou altos”, disse a propósito do desmantelamento do bairro do Aleixo. Também Bebiana Cunha chama a atenção para a dimensão social, que não foi tida em conta no realojamento dos moradores de bairros sociais extintos e propõe “uma intervenção social de mão dadas com as organizações não governamentais”.
Sérgio Aires – independente, que se candidata pelo Bloco de Esquerda – reforça, por sua vez, que “o mais importante é o problema estrutural” e aposta numa “estratégia integrada”, que permita dar uma oportunidade à população à margem, no Porto.
O caso Selminho
O caso em que o Ministério Público acusa Rui Moreira de ter dado indicações para fechar um acordo extrajudicial entre o município e a empresa da sua família, a Selminho, para pôr fim a um conflito que se arrastava nos tribunais há vários anos ficou para a segunda parte do debate. E começou até por ser desvalorizado pelo socialista Tiago Barbosa Rodrigues que disse não querer “dar uma oportunidade a Moreira para se vitimizar, neste debates”. O deputado acrescentou que respeita a presunção de inocência do autarca e que é no tribunal que este assunto deve ser tratado.
Vladimir Feliz (PSD) acredita, no entanto, que o assunto “incomoda a cidade” e reafirmou o que já havia dito em entrevistas: “se eu tivesse nessa situação não seria candidato”. Sérgio Aires (BE) é mais duro e aponta para uma “dimensão política” do caso, em que não vê que “o interesse público tenha sido defendido”.
Dimensão essa que Moreira rejeita, enquanto espera “tranquilamente para que seja feita justiça, neste caso”. O presidente acrescentou ainda que é importante dar a conhecer o número dois da sua lista à população, mas isto em nada está relacionado com uma expetativa de perda de mandato – o que, se Moreira for eleito, nunca acontecerá antes do final de 2022, de acordo com juristas especializados nesta área do Direito.
O melhor e o pior do Porto em 2021
Em jeito de conclusão, cada um dos 11 candidatos teve direito a 1:30 para falar sobre o melhor e o pior do Porto, este ano. E estas foram as respostas:
Rui Moreira (“Porto, o Nosso Movimento”): O maior problema do Porto “é a questão do centralismo. Há questões, como a TAP, que são resolvidas sem incluir a nossa cidade”. E o melhor “são as pessoas, que podem contar comigo”.
Tiago Barbosa Rodrigues (PS): O melhor “foram mesmo as pessoas, numa tão difícil da nossa vida coletiva”, destacando o papel das instituições de saúde portuenses. O pior “foi a forma como a autarquia reagiu à pandemia, que foi das que menos apoiou as pessoas”.
Vladimir Feliz (PSD): O melhor foi “o trabalho das instituições médicas no combate à pandemia”, que fizeram “um trabalho de referência no contexto nacional e mundial”. O pior foram as muitas promessas de Rui Moreira que ficaram por cumprir.
Ilda Figueiredo (CDU): O melhor do Porto”são sempre as pessoas, que deram a sua alma e que construiram a cidade”. Mas este ano, “estas pessoas foram duramente fustigadas”.
Sérgio Aires (BE): O pior “foi a pandemia e as suas consequências, que se continuam a fazer-se sentir”. Um ponto positivo “são precisamente estas eleições – uma ótima oportunidade para melhorarmos”.
António Fonseca (Chega): O melhor foi a vacina e o pior “foi a cidade do Porto não saber responder às necessidades [da população] no tempo certo”.
Bebiana Cunha (PAN): O pior “foi a aprovação do Plano Diretor Municipal, que perpétua uma visão da cidade em contra ciclo com o que tem de ser feito para mudar a vida das pessoas”, “hipotecando a cidade por muitos anos” e desvalorizando o ambiente. O melhor é a participação das pessoas na cidade.
Diamantino Raposinho (Livre): O pior é a pandemia e a “falta de atenção dada às alterações climáticas, o grande tema da próxima década”. O melhor é o “envolvimento da sociedade civil na causa das alterações climáticas”.
Diogo Araújo Dantas (PPM): “O pior e o melhor é a bazuca, que pode servir para esconder oito anos de políticas socialistas e que tem de se evitar que vá parar aos bolsos dos donos disto tudo”.
André Eira (VOLT): O pior é o “afastamento, cada vez maior, dos cidadãos para com o poder autárquico”. O melhor “continua a ser o verdadeiro espírito europeu” que os portuenses demonstram.
Bruno Rebelo (Ergue-te!): O melhor da cidade é “a sua gente, a sua genuinidade, a forma como recebe toda a gente”. O pior foi “a má gestão de que a cidade tem sido alvo nos últimos mandatos”.