Durante as buscas ao escritório de Vítor Escária, chefe de gabinete do primeiro-ministro, a PSP, o juiz de instrução e o procurador Rosário Teixeira encontraram 75.800 euros em dinheiro, distribuídos em envelopes, livros e em caixas de vinho.
Segundo a SIC Notícias, não foi apreendida qualquer prova física ligada ao primeiro-ministro. Foi antes confiscada uma agenda digital, que incluía emails, mensagens de sms e de WhatsApp.
Estas buscas foram conduzidas na tarde de terça-feira, tendo começado por volta das 14h00, pouco antes de António Costa ter anunciado ao país a sua demissão na sequência da mesma investigação, relacionada com negócios do hidrogénio e do lítio. E, de acordo com o Expresso, o chefe de gabinete de Costa assistiu às mesmas, sem reação.
Já esta manhã, Tiago Rodrigues Bastos, advogado de Vítor Escária defendeu, em declarações aos jornalistas, à saída do Tribunal Central de Instrução Criminal, no Campus de Justiça, em Lisboa, que “é importante que não se desvie a conversa, não se desvie o objeto dos autos para um facto absolutamente lateral, que não tem rigorosamente nada que ver com a imputação, como ela está desenhada e concebida”. “Esse facto [o dinheiro encontrado] não tem nenhuma relação com o que estamos aqui a tratar e nem tem nada a ver com algo ilegal”, continuou, acrescentando ainda que se referia a uma atividade profissional anterior.
Vítor Escária foi detido na terça-feira de manhã, em sua casa, também cenário de buscas desde as 7h00. Tal como o consultor e amigo de Costa, Diogo Lacerda Machado, o presidente da Câmara de Sines, Nuno Mascarenhas, e dois administradores da Start Campus (Afonso Salema e Rui Oliveira Neves). No mesmo dia, foram ainda realizadas buscas à casa do ministro das Infraestruturas, João Galamba, onde a PSP, encontrou uma pequena quantidade de haxixe (dentro do valor legal), além de computadores e registos de conversas, avança o Público.
O Ministério Público suspeita de que Diogo Lacerda Machado pode ter usado a proximidade com o primeiro-ministro para desbloquear decisões importantes que beneficiariam a empresa Start Campus. Durante a investigação, o nome do primeiro-ministro foi mencionado por alguns suspeitos, colocando assim Costa na mira do MP, que está ainda a apurar se o chefe do Governo está ou não envolvido neste alegado negócio.
Quem é Vítor Escária?
Chegou ao gabinete do primeiro-ministro após ter colaborado com o líder socialista, quando aquele era presidente da Câmara Municipal de Lisboa, e ter sido um dos técnicos a elaborar o cenário macroeconómico, dirigido por Mário Centeno, que serviu de base ao programa eleitoral do PS, nas legislativas de 2015. Tornou-se, assim, assessor económico do primeiro-ministro nos tempos da Geringonça, tal como fora de José Sócrates. Aliás, chegou então a ser um dos membros da equipa governamental que negociou com a Troika o memorando do resgate financeiro, em 2011.
Demitiu-se, em 2017, ao ser um dos arguidos do Galpgate, o caso das viagens nos jogos do Euro2016, pagas pela petrolífera nacional. Todavia, Costa nunca terá prescindido do seu trabalho enquanto consultor, até agosto de 2020, altura em que regressou como chefe de gabinete, já que Escária se livrou daquele processo, ao pagar €1 200 ao Estado pelas viagens de que usufruíra com a mulher, ou seja: na verdade, nunca deixou de ser o braço-direito do líder socialista.
Aos 52 anos, casado e com três filhos, Escária era atualmente coordenador dos mestrados do Instituto Superior de Economia e Gestão (ISEG) da Universidade de Lisboa, onde se formou, foi o melhor aluno do curso e era a docente. Doutorou-se em York, no Reino Unido, na mesma área de especialização em Economia do que Cavaco Silva, que também passou por aquela universidade.
O Galpgate não foi a primeira vez que esteve na mira da Justiça: por ter conhecimento próximo do processo de venda de casas à Venezuela do Grupo Lena – em que Sócrates se tornou suspeito de ter atuado como facilitador enquanto chefe do governo –, chegou a estar sob escuta e a ser ouvido como testemunha no âmbito da Operação Marquês. Mas nunca foi indiciado. Após as legislativas de 2011, além da docência, atuou na área da consultadoria com outros ex-membros do gabinete de Sócrates.
*Com Nuno Miguel Ropio