É, no mínimo, irónico que um partido liderado por um doutorado em Direito elogiado pelo seu brilhantismo seja, no espaço de semanas, obrigado pelo Tribunal Constitucional (TC) a repetir, pela quarta vez em cinco, a convenção nacional e a reintegrar um dos seus fundadores, no caso José Dias. Mas as decisões não deixam margem para dúvidas: o Chega tem um problema com a legalidade democrática interna, como atestam várias decisões do tribunal.
De acordo com a mais recente decisão do plenário do TC, a deliberação de expulsar o antigo vice-presidente, em janeiro, foi considerada “nula”, impondo assim ao Chega a reintegração do daquele militante, um dos mais críticos da atual direção. “Esta decisão é uma vitória da Justiça e do próprio TC que fez jus à democracia. Ninguém pode ser punido por delito de opinião”, afirmou José Dias à VISÃO. O antigo dirigente fora suspenso por criticar o facto de o Chega realizar a rentrée de 2022 no casino de Vilamoura, dando a ideia de que se trata de um “partido de gente rica”. Na origem da fundamentação e da contestação jurídica que seguiram para o TC está a advogada, fundadora e militante nº 3, Fernanda Marques Lopes. “Os briosos militantes do Chega não podem andar com a casa as costas e as expensas próprias a fazer congressos, sem ninguém assumir a culpa, causando a todos milhares de euros de prejuízo! A Fernanda tem o mérito e, pelos vistos, razão, em colocar em causa o modus operandi da direção”, refere José Dias, que deixa agora em aberto as suas opções: “Posso ser candidato a tudo e a nada. Até posso sair de militante do partido, mas, desta vez, pelo meu pé. Neste momento, estou em reflexão e tudo pode acontecer”, assume.

Fundadora arrasa direção
Fernanda Marques Lopes recusa comentar a mais recente decisão do TC relativa ao caso de José Dias. Mas sobre o acórdão recente do tribunal que, a partir de um pedido de impugnação da sua lavra, declarou inválida a marcação da última convenção nacional do Chega, a ex-dirigente considera que a margem de manobra da direção é zero, apesar de André Ventura ter anunciado um recurso da decisão: “Resulta do acórdão, direta ou indiretamente, que todos os órgãos precisam de novas eleições e que todos os regulamentos precisam de ser novamente aprovados. Alguns órgãos e algumas matérias têm de ser aprovados em convenção. É obrigatório que haja nova convenção”, explica, ainda assim incrédula com a mais recente decisão da direção: “O partido não quer saber do cumprimento da lei. Depois de um acórdão que diz que todas as deliberações do conselho nacional são inválidas, seria normal que o Chega recorresse e só depois de transitado em julgado, quando tudo estivesse claro, voltasse a deliberar em Conselho Nacional. Sabe o que fez? Voltou a convocar um conselho nacional, o mesmo que está na base do acórdão, para deliberar sobre o mesmo assunto no próximo dia 30. Ninguém percebe onde anda a cabeça desta gente. Não têm jeito para isto”, critica.
Com o acórdão do TC, a convenção nacional do final de janeiro, em Santarém, bem como a eleição dos novos membros dos órgãos do partido, incluindo a reeleição de André Ventura como presidente, são consideradas nulas. Pergunta-se, pois: com o acumular de várias decisões desfavoráveis sobre o seu funcionamento e democracia interna, estará o partido a aplainar o caminho para a sua ilegalização? “A menos que o TC entendesse que o Chega está reiterada e deliberadamente a agir contra a lei, em direta violação da Lei dos Partidos, isso não está em causa. Mas esta direção teima em caminhar em cima da linha vermelha e, um dia, poderemos sair todos prejudicados por causa desta inabilidade absoluta”, avisa Fernanda Marques Lopes.
Há alguns meses, em entrevista à VISÃO, a constitucionalista Teresa Violante alertava para outros aspetos: “O Chega não é, apesar de tudo, um partido fascista, mas o discurso racista e as atitudes de alguns dos seus dirigentes levantam-me dúvidas sobre a sua legalidade. Era bom termos mais trabalhos da academia e alguma atitude por parte do Ministério Público face às queixas que foram apresentadas. Há debate superficial a mais na Imprensa e debate a menos nos fóruns próprios”, referiu.
Contactado pela VISÃO, o gabinete de comunicação do partido não respondeu ao pedido de esclarecimento sobre estas matérias.