Quando se irrita, Pedro Brito, 53 anos, faz um desenho. Professor de Educação Visual há 26 anos, tanto no ensino público como no privado, não lhe têm faltado motivos de irritação na vida política, que segue atentamente. “As caricaturas são a forma de me manifestar”, aponta. “Normalmente, ninguém quer saber absolutamente nada sobre isso, à exceção de agora.” Nos últimos meses, associou-se “à dinâmica da luta da rua dos docentes, com uma expressão que já não acreditava que fosse possível” e foi então que, com a sua companheira, igualmente docente, começou a conceber cartazes para as manifestações. “Os professores sentiram que precisavam de renovar o seu grito, porque têm sido ignorados pelo primeiro-ministro, e que os seus braços eram adequados para transportar aquela mensagem.”
Um deles, em que António Costa é retratado com nariz de porco, lápis espetados nos olhos e lábios sobredimensionados, provocou a reação do primeiro-ministro, à margem da cerimónia do Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas, ao atravessar as ruas de Peso da Régua e se cruzar com um grupo de professores em protesto. “O senhor tem um cartaz racista, devia estar calado!”, reagiu, exaltado, em resposta a Pedro Brito. O caricaturista, em declarações à VISÃO, alega que “o primeiro-ministro chama racista a todos os braços que ao longo destes meses têm empunhado o cartaz… não faz nenhum sentido, nunca foi essa a minha intenção, é apenas uma caricatura”. E invoca ter-se inspirado nos livros infanto-juvenis que também costuma ilustrar, além de outras imagens caricaturais conhecidas, de outros autores. “Nunca me ocorreu que um nariz fofinho fosse racista, não sei quais foram os livros de infância que o senhor Primeiro-Ministro leu.”
Atualmente a dar aulas em Évora (a 300 km de sua casa, em Matosinhos), Brito disse pertencer “a um grupo que se tem reunido de forma espontânea nas redes sociais e que tem procurado marcar uma presença assídua naquilo que são as manifestações de indignação dos professores”. Neste momento, é sindicalizado no Sindicato dos Professores da Zona Sul (SPZS), afeto à FENPROF, é delegado sindical, mas assume a ilustração de Costa como sua. “Os meus atos e os meus desenhos não estão ao serviço de qualquer sindicato ou de posição partidária”, afirmou, à VISÃO. “Sempre que estou numa manifestação, organizada por qualquer entidade sindical, vou de forma pessoal e a mensagem é só minha”, acrescentou.
A FENPROF já se demarcou da polémica. E esclareceu em comunicado: “A meio da cerimónia surgiu, no local em que a FENPROF se encontrava, um grupo de cerca de uma dezena de professores envergando t-shirts com caricaturas de mau gosto de Marcelo Rebelo de Sousa e de João Costa e empunhando cartazes com a imagem distorcida de António Costa, tendo este um lápis espetado em cada olho. Mais tarde, esse grupo seguiu o Primeiro-Ministro durante largos minutos. A FENPROF demarca-se daquelas imagens, considerando que para se exigir respeito é necessário saber respeitar. Se a lutar também se está a ensinar, não se podem usar como armas o insulto e populismo. Imagens como as que foram exibidas não dignificam os professores e a sua justa luta.” Contudo, os cartazes não são inéditos e já foram vistos em vários protestos dos professores, desde janeiro. O desenho de João Costa, onde o ministro da Educação aparece retratado com um lápis espetado num olho, é também da autoria de Brito.
Pedro Brito responde às críticas da FENPROF: “Quando se desenha, também se ensina. Este ano dei duas aulas, a que o senhor Ministro da Educação considerou que eu estava à altura de o fazer, numa escola em Évora (a 1 de setembro não sei onde vai ser, tal como a minha esposa), e uma outra no País inteiro, em que os meus alunos se aperceberam que o desenho é uma excelente forma de comunicação.”
O sindicato S.TO.P. – que não convocou o protesto no Peso da Régua –, refuta igualmente qualquer acusação de incitação a atitudes de teor racista. “Os Estatutos do S.TO.P. expressam claramente o repúdio da discriminação com base na raça, como já o tornámos público por mais de uma vez”, escreveram, em comunicado. Ao mesmo tempo, consideram que, com este episódio, “António Costa pretende desviar as atenções sobre o gravíssimo problema que atinge a Escola Pública e que tem levado a que os seus Profissionais estejam a dinamizar a maior luta de sempre na Educação”.
O papel da caricatura
Pedro Brito tem sido bastante ativo na sátira política, tanto nas redes sociais como no seu blogue, adotando um estilo duro, tanto no discurso, como nas imagens. “Exigir dos sindicatos que nos representam a demissão do ME, é um primeiro passo”, escreveu, num texto recente. “Depois, estamos todos convocados para construir políticas educativas que verdadeiramente sirvam a educação pública, onde todos os profissionais sejam respeitados e valorizados no seu trabalho diário ao serviço dos principais protagonistas da escola – os alunos!”, concluiu. Exortações à ação do Presidente da República (nomeadamente, para vetar a a nova lei de recrutamento dos professores) ou apelos a uma greve às negociações por parte dos sindicatos, têm sido algumas das suas reivindicações.
A autoria do cartaz tem gerado algumas confusões. Com um nome similar, Pedro Miguel Ferreira de Brito já negou ser o autor da caricatura nas redes sociais, afirmando que “em 30 anos de carreira, como ilustrador, autor de banda desenhada e realizador de cinema de animação, nunca fiz ou publiquei qualquer trabalho com teor racista, xenófobo, discurso de ódio ou ataque a minorias de género. Demarco-me categoricamente deste tipo de trabalho e discurso.”
O caricaturista Nuno Saraiva aproveitou para, na sua página do Instagram, dar algumas lições de História. “Há muitas décadas, um jornal chamado Völkischer Beobachter retratava os inimigos da raça, deformando-os. Da mesma forma tratava os inimigos políticos, anulando-lhe toda e qualquer autoridade e respeito representando-os de forma grotesca e assustadora. Estes desenhos violentos alimentaram estereótipos e levavam ao riso fácil de gente muito frustrada e, contribuíram para a chegada ao poder do NSDAP [partido nazista]. A caricatura ao serviço de uma construção ideológica político partidária era comum naqueles tempos. Ao a observarmos, apreendemos características de uma época, de uma inteira sociedade de má memória.” E qualificou o trabalho apresentado nos protestos como uma “caricatura fraquinha na arte mas bruta no conteúdo, procurando humilhar tocando o homem onde até acho que menos o deveria doer: recordando-lhe as origens e deformando-o na cor e face”.
Às críticas dos ilustradores, Pedro Brito contesta: “Eu não sou um ilustrador do sistema; sou livre e não vendo em circunstância alguma aquilo que me sai das mãos. Não estou disponível para essas cedências.”
As reações de vários quadrantes políticos também não se fizeram esperar. António Lobo Xavier, no programa Princípio da Incerteza na CNN Portugal, mostrou-se solidário com António Costa e com João Costa e disse estar “revoltado e chocado”, assumindo que não seria uma posição que se esperaria, à partida, da sua parte. “São cartazes de um extremo mau gosto, de uma extrema agressividade, de uma inaceitável agressividade, que fazem qual pessoa decente e de bem estar do lado primeiro-ministro e até do ministro da Educação.”
Já André Ventura, no Twitter, defendeu que “o racismo serve de argumento para tudo. Agora até os cartazes dos professores a pedir a demissão do primeiro-ministro. Haja paciência! Triste país que se indigna com as palavras de um youtuber ou com uns cartazes mais esotéricos, mas vive bem com pobreza e corrupção!”.
Pedro Brito alega não ter filiação partidária. “A vida política e partidária tem as suas dinâmicas próprias e é natural que haja uma colagem… esta é, exclusivamente, uma luta da classe dos professores, em que estou profundamente envolvido. Repudio em absoluto qualquer colagem à extrema-direita”, afirmou, à VISÃO.