Com a retirada da confiança política a Nuno Afonso – decisão anunciada na última quarta-feira –, o Chega já perdeu um terço dos vereadores municipais eleitos pelo partido nas Autárquicas de setembro de 2021. Em apenas um ano, seis dos 19 autarcas eleitos pelo partido liderado por André Ventura passaram a independentes nos respetivos executivos municipais.
O caso mais recente é o de Nuno Afonso, vereador na Câmara Municipal de Sintra. O militante “n.º 2” do Chega, coordenador autárquico do partido nas eleições do ano passado e antigo chefe de gabinete no Parlamento de André Ventura na anterior legislatura (quando este era deputado único), tem sido o principal rosto da oposição interna à atual direção do partido, situação que se tornou mais visível desde o mês de maio, depois de Nuno Afonso ter sido exonerado do cargo que ocupava na Assembleia da República. Na semana passada, Nuno Afonso manifestou mesmo, ao Expresso, disponibilidade para avançar para a presidência do partido, caso André Ventura coloque o seu lugar à disposição.
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A decisão de retirar a confiança política a Nuno Afonso foi conhecida através de um comunicado da distrital de Lisboa do Chega e justificada com o facto de o vereador ter viabilizado o Orçamento e Grandes Opções do Plano para 2023 da Câmara Municipal de Sintra, liderada pelo socialista Basílio Horta, “contra as indicações e orientações” dos órgãos nacionais, distritais e concelhios do partido. “O seu sentido de voto, à revelia das orientações do partido e da estratégia definida para o distrito, são claros atos de indisciplina partidária e não deixa outra alternativa, a esta Comissão Política Distrital, senão a de retirar, de imediato, a confiança política ao senhor vereador Nuno Afonso”, lê-se na nota publicada, nas redes sociais, pelo órgão presidido pelo deputado Pedro Pessanha.
Seis já saíram…
A debandada de deputados municipais eleitos pelo Chega começou ainda no final do ano passado, apenas dois meses após as Autárquicas. Em novembro de 2021, a primeira a “bater com a porta” foi a cabeça de lista do Chega à Câmara Municipal de Moura, Cidália Figueira, que depois do sucesso alcançado com a eleição para vereadora se queixou de falta de apoio do partido durante e após a campanha, que considerou serem consequência de “divergências” com a distrital de Beja do Chega.
Em declarações ao jornal regional A Planície, Cidália Figueira lamentou o facto de ter andado “sempre sozinha” nas “arruadas” que realizou naquele concelho e de, na tomada de posse como vereadora, não ter sido cumprimentada por ninguém da sua bancada nem por André Ventura. “Vi que não houve qualquer interesse na minha pessoa e uma vez que isso aconteceu (…) resolvi passar a vereadora independente inscrita”, afirmou.
A fechar o ano, foi a vez de Márcio Souza anunciar o seu afastamento do partido. Eleito pelo Chega para o executivo da Câmara Municipal de Sesimbra, o vereador justificou a decisão com o “desacordo total com a forma de atuação do partido, nomeadamente pela distrital de Setúbal”.
Num curto comunicado, publicado na sua página pessoal do Facebook, Márcio Souza assumiu a decisão de manter o cargo como vereador independente “para honrar os compromissos (…) com a comunidade, de forma a contribuir para a melhoria de vida de todos os sesimbrenses, sem exceção” – o executivo liderado por Francisco Jesus (CDU) atribuiu, entretanto, o pelouro da Proteção Civil Márcio Souza.
Em um ano, Chega perdeu seis vereadores: em Moura, Sesimbra, Seixal, Moita, Entroncamento e Sintra. Vila Verde está “por um fio”
Em fevereiro deste ano, foi a vez do Chega convocar a comunicação social para uma conferência de imprensa, na sede do partido, para anunciar a decisão do partido de retirar a confiança política a Márcio Souza, mas também a Henrique Freire, eleito vereador da Câmara Municipal do Seixal. Em causa: o facto destes autarcas terem viabilizado os orçamentos dos respetivos executivos CDU.
“Isto é inadmissível e nenhum partido antissistema pode viver com isto de forma complacente e de forma tolerante. A minha decisão foi por isso imediata: comunicar à direção nacional do partido que estes dois vereadores deixariam de representar o partido e as suas estruturas, deixariam de representar o seu combate político e passarão a agir como independentes”, afirmou, na ocasião, André Ventura.
A um ritmo de uma “baixa” por mês, seguiu-se o “divórcio” com Ivo Pedaço. Em março deste ano, o vereador eleito pelo Chega para a Câmara Municipal da Moita abandonou o partido em choque com a distrital de Setúbal. Em comunicado, Pedaço e mais cinco deputados municipais eleitos pelas listas do Chega no concelho da Moita justificaram a decisão “pela gestão de expectativas”. “Acreditámos que pertencíamos a um partido ponde teríamos espaço para o debate de ideias e para sermos a voz da população local e o garante que iriamos defender os interesses locais contra os interesses económicos do carreirismo político, não compatíveis com a doutrina apregoada pelo Chega no combate à corrupção, ao compadrio e aos interesses obscuros que pautam a política portuguesa e na qual nós nos revemos”, referia a nota.
Dirigindo as críticas à distrital de Setúbal e, em particular, ao deputado Bruno Nunes, eleito por aquele círculo eleitoral nas Legislativas de 30 de janeiro, os autarcas detalharam que, entre os vários pontos, o primeiro que “despoletou” esta decisão teve origem numa “tentativa de influência do voto favorável do vereador, perante interesses pessoais e financeiros de um membro da distrital de Setúbal e de um investidor por ele apresentado”, sem avançar nomes – com esta saída na Moita (e juntando os casos de Seixal e Sesimbra), o Chega ficou sem autarcas no distrito de Setúbal.
Em abril passado, foi a vez de Luís Forinho, vereador do Chega na Câmara Municipal do Entroncamento, anunciar a sua “desvinculação total” do partido. Num vídeo publicado no seu canal no Youtube, “Portugal Condenado”, Forinho explica as razões que o levaram – e também à líder concelhia, Isabel Sousa, e aos três deputados municipais eleitos pelo Chega (Carlos Monteiro, Fernando Farinha e Carla Sofia) – a abandonar o partido, chegando a mostrar no vídeo o momento em que rasga o seu cartão de militante e arranca da parede a bandeira do Chega que figurava na então sede partidária naquele município.
Numa extensa declaração, Luís Forinho acusou André Ventura de “amiguismo”, criticando duramente os critérios utilizados pelo presidente do Chega para escolher os nomes dos candidatos que integraram a lista de Santarém para as legislativas, liderada por Pedro Frazão (que acabaria por ser eleito deputado), e para a surpreendente contratação da ex-deputado do PAN, Cristina Rodrigues, para o cargo de assessora jurídica do grupo parlamentar do partido.
Nuno Afonso foi a sexta “baixa” – e é, para já, a mais recente desta lista.
… e um está na “corda bamba”
Atualmente, restam 13 vereadores municipais do Chega em funções, mas a debandada de autarcas eleitos pelo partido da direita radical populista pode não ficar por aqui. Fernando Feitor, vereador da Câmara Municipal de Vila Verde (Braga), tem mantido, nos últimos meses, um “braço-de-ferro” com os órgãos distritais e nacionais do partido, a quem acusa de “total falta de apoio”.
Em maio deste ano, este autarca foi suspenso (durante 30 dias) pela Comissão de Ética do Chega, depois de ter entrado em “choque” com a distrital de Braga e com o líder do Chega em Vila Verde, José Luís Moreira, que diz não ser o líder legítimo daquela estrutura concelhia. Ainda na semana passada, numa publicação na sua página pessoal do Facebook, Feitor acusou José Luís Moreira de ser “uma vergonha para o partido e para Vila Verde” e de lhe estar a dever 2.650 euros.
No passado mês de setembro, mais um episódio que permite supor que a rutura pode estar para breve: Fernando Feitor anunciou o encerramento da sede do Chega em Vila Verde, após dois anos sem que a renda daquele espaço tivesse sido paga, o que elevou o tom das suas críticas dirigidas à distrital e à direção nacional do partido, como anunciou o local Semanário V.
“Esperei quase dois anos pelo apoio que nunca tive, nem para a minha campanha eleitoral. Mesmo assim assumi as despesas e lutei pelo concelho de Vila Verde e pelos vilaverdenses”, afirmou, admitindo que “é uma possibilidade” seguir o exemplo dos colegas vereadores municipais que, ao longo do último ano, abandonaram o Chega. Feitor, único vereador do Chega no norte do país, aproveitou o momento para anunciar que será candidato nas Autárquicas em 2025 – falta saber por que partido ou movimento.
Nuno Afonso pondera processo-crime e Pedro Pessanha fala de “desconforto com mais de um ano“
O caso do vereador de Sintra, Nuno Afonso, ganha contornos mediáticos, uma vez que o protagonista ocupou, durante vários anos, lugar de destaque junto da cúpula do Chega, como “vice” do partido e chefe de gabinete de André Ventura, na estreia parlamentar do então deputado único (entre 2019 e 2021).
À VISÃO, Nuno Afonso afirma que está “a ser vítima de uma perseguição política e pessoal” e que “pondera avançar para uma queixa-crime contra o partido e os seus dirigentes”. “Quando assumi que podia ser candidato à distrital de Lisboa, André Ventura arranjou maneira de fazer um Conselho Nacional e, de forma irregular, apresentar uma moção para o adiamento dessas eleições por um ano. Agora, é mais ou menos a mesma situação. Poucos dias depois de anunciar a minha disponibilidade para a presidência do Chega, [André Ventura] tenta arranjar uma forma de me afastar e de denegrir a minha imagem, usando calúnias e mentiras”, diz.
É o reflexo da forma como André Ventura tem gerido o Chega e demonstra que partido não vive em liberdade e democracia
Nuno Afonso
O agora vereador independente da Câmara Municipal de Sintra nega as razões apontadas pela distrital de Lisboa para o seu afastamento, reiterando que não recebeu indicações do partido nem votou favoravelmente para aprovar o orçamento e plano para 2023 daquela autarquia. “Apenas foi viabilizada a submissão do documento para a Assembleia Municipal”, explica, acrescentando que todo este processo é apenas “o reflexo da forma como André Ventura tem gerido o Chega” e que “demonstra que neste partido não se vive em liberdade nem em democracia”.
Já o líder da distrital de Lisboa, Pedro Pessanha – também deputado na Assembleia da República –, órgão que anunciou a retirada da confiança política a Nuno Afonso, nega esta versão. “Uma coisa são factos, outra é o que o senhor vereador de Sintra diz”, afirma.
À VISÃO, Pessanha admite que “existia desconforto” com Nuno Afonso “há mais de um ano”, devido à “dificuldade de convívio e comunicação” entre o vereador e as estruturas do partido. “Um dos grandes problemas, ao longo deste último ano, foi a dificuldade de comunicação. Por várias vezes, a distrital e a concelhia de Sintra tentaram falar [com Nuno Afonso], para coordenar trabalho, mas raramente – ou porque não atendia o telefone ou outra coisa qualquer – conseguíamos que o senhor vereador estivesse disponível”.
No último ano, chegaram queixas da concelhia de Sintra e dos três deputados municipais (do Chega) contra posições de Nuno Afonso
Pedro Pessanha
O líder da distrital de Lisboa do Chega adianta que, durante este período, “chegaram aos órgãos do Chega “queixas sistemáticas e constantes da concelhia e dos três deputados municipais” (também eleitos pelo Chega) “contra as posições assumidas por Nuno Afonso, que não estavam em linha com as do partido”.
Pedro Pessanha sublinha ainda que “existem canais de comunicação, a nível nacional e distrital do partido, onde estão presentes todos os dirigentes e autarcas, em que são dadas orientações sobre o sentido de voto que cada autarca dever tomar” e lamenta que, “infelizmente, o senhor vereador de Sintra tenha escolhido não segui-las”.
Nuno Afonso é, assim, o sexto vereador municipal do Chega a abandonar o partido no espaço de apenas um ano – a contagem continua?