O adiamento das diretas no PSD, como Rio propôs nas últimas horas como resposta ao risco de o Orçamento do Estado chumbar no Parlamento e o País ter de ir para legislativas antecipadas, acabou por ser chumbado, esta noite, pelo Conselho Nacional laranja, que está reunido no Hotel Sana, junto ao Marques de Pombal, em Lisboa, por 71 votos contra e 40 a favor. Houve ainda quatro conselheiros que se abstiveram.
Já o requerimento de Paulo Rangel, que anunciará a sua candidatura à liderança do PSD, para que se discuta uma data para as eleições foi aprovado nesta quinta-feira à noite.
Acabou por vingar a data que, primeiramente, a direção de Rio propôs – a 4 de dezembro. Assim sendo, escolhido o líder do partido, o PSD reúne-se em congresso a 8 de janeiro de 2022.
O requerimento de Rio, apresentado ao início da noite, alegava que a direção do PSD considerava “desaconselhável, e de elevado risco, que o partido entre desde já numa disputa eleitoral interna, com a consequente instabilidade que tal sempre provoca e que o enfraquece externamente, antes de se saber se o País terá eleições legislativas antecipadas a curto prazo”. Isto porque, alegou-se no documento acedido pela VISÃO, “o País está confrontado desde ontem com a perspetiva real e séria de crise política e de convocação de eleições legislativas antecipadas a curto prazo”.
À entrada do Hotel Sana, ao início da noite, Rui Rio lamentava o “assalto ao poder daqueles que põem o seu interesse pessoal à frente do interesse do país”, por questionarem a sua intenção de suspender o calendário eleitoral no partido. Já Paulo Rangel, que chegou antes do líder, apontou que seria “estranho que o PSD ponha nas mãos do dr. António Costa o seu próprio calendário interno, o supremo privilégio de escolher data de eleições” no partido.
Rangel: Rio está “sentado no sofá à espera que governo caia”
À votação dos requerimentos seguiu-se o anúncio de Paulo Rangel quanto à candidatura à liderança do partido, confirmando os zunzuns que há vários dias se faziam sentir. O eurodeputado defendeu um “projeto agregador” para o PSD e criticou a atitude de Rio, que aposta em “ostracizar, perseguir e diabolizar qualquer voz contrária”.
De acordo com conselheiros que participaram na reunião, Rangel disse ser altura de aproveitar o resultado das autárquicas e “de responder a essa semente de esperança quanto a uma alternativa”. “Precisamos de um projeto agregador; não é de um projeto que está constantemente a ostracizar, a perseguir, a diabolizar qualquer voz contrária”.
Rangel terá dado como exemplo as palavras de Rio à chegada ao Hotel Sana, dirigidas a quem questionou o adiamento das diretas do partido: “o líder chega aqui a destrata essas pessoas em frente à Comunicação Social. Não é postura de alguém que quer ser primeiro-ministro”. “A afirmação da diferença não deve servir para diabolizar as pessoas”, apontou.
Segundo o eurodeputado, o partido precisa “de um projeto” de governação alternativo ao do PS, criticando a falta de prontidão do PSD em apontar falhas à gestão socialista, em situações graves como é o caso “caos na saúde”, sobre o qual “nenhum membro da comissão política” se pronunciou.
“Não podemos ser o partido da espera. Não acredito num PSD cuja função seja estar sentado no seu sofá à espera que o governo de Costa caia de podre”, terá dito, de acordo com a descrição feita por quem assistiu.
Rangel criticou a direção de Rio por não apostar em apresentar respostas às necessidades dos portugueses, e perder-se em questões que passam ao lado. “Os portugueses não estão preocupados com uma revisão constitucional [como Rio propõe]”, defendeu, apresentando-se como candidato “com toda a lealdade, com toda a liberdade – porque ser leal é ser livre”. O eurodeputado não deixou de apontar baterias a quem o acusou de ter andado a “fazer campanha” durante as autárquicas – a seu favor e contra Rio -, visando as declarações de um vice de Rio, David Justino.
Rio: “O povo não vota naquele que berra mais ou diz pior do governo”
Apesar de haver conselheiros que pretendiam que a reunião arrancasse logo com a votação dos tais requerimentos, quanto ao adiamento da corrida interna, acabou por ser Rui Rio a abrir as hostilidades, com um discurso onde apelou, uma vez mais, ao “recentramento” do partido e criticou quem defende uma oposição “que grita”.
Antes de dar recados para o interior do partido, Rio começou por pedir uma reflexão aos conselheiros nacionais: não valerá a pena espaçar as eleições para os diversos órgãos do Estado? “Nestes quatro anos, enfrentámos eleições na Madeira, nos Açores, europeias, legislativas, presidenciais, autárquicas, duas diretas [no PSD] e uma outra direta que hoje está em cima da mesa. E ainda houve uma pandemia pelo caminho. Isto deu uma eleição de cinco em cinco meses. Não é possível trabalhar quando as coisas são assim. Por isso, propomos na revisão constitucional que as eleições sejam de cinco em cinco anos, em vez de quatro em quatro, para as legislativas e autárquicas, e de seis anos o mandato das presidenciais”, disse, deixando uma nota para reflexão sobre as eleições internas – “se isto [diretas] é para fazer ano sim, ano não, a somar a isto tudo”.
O líder do PSD destacou os resultados nas autárquicas, que contradisseram “as sondagens e os comentadores que diziam que isto ia ser uma desgraçada para o PSD”: “Subimos em tudo – em votos, em presidentes, em eleitos e freguesias. Não subimos muito, como um recorde mundial, mas subimos de forma substancial. Reduzimos a diferença para o PS, subimos nos centros urbanos e no Alentejo”. “São estes os resultados contra tudo; e quase todos”, disse acentuando o “quase”, referindo-se “a sondagens, a comentadores que diziam que isto ia ser uma desgraçada para o PSD”.
Rio alertou o partido que “se não tivermos juízo podemos destruir este momento”, já que, para si, “as eleições autárquicas sinalizaram o início da descida do PS; e formalizaram o início da subida do ciclo do PSD”.
Captar votos à esquerda e não andar atrás de migalhas à direita, aponta líder do PSD
De novo, como tem sido seu apanágio desde que chegou à liderança do PSD, Rio apelou ao “recentramento do PSD” no espectro político: “À esquerda do PSD estão mais de 50% dos votos – se quero crescer, tenho de ir buscar onde há votos. Se me entreter a ir buscar mais 1% ou 2% ao CDS, ou ao Iniciativa Liberal ou ao Chega, nunca chegarei ao valor que pretendo. Para lá chegar, tenho de roubar ao PS, que está à esquerda”, explicou, dando o exemplo da “recuperação do eleitorado urbano” e do alentejano, que classificou de “eleitorado mais à esquerda”, destacando o caso de Vila Viçosa – conquistada diretamente ao PCP.
Rio concluiu a sua quase meia hora de intervenção, pedindo que o PSD transmita “fiabilidade na alternativa” e que não entre em “aventuras”.
“O povo não vota em quem grita mais contra o Governo que está, mas em que ele sente que pode confiar. O povo não vota naquele que berra mais ou diz pior do Governo”, disse, dando como exemplo o desaire da estratégia de Assunção Cristas, em 2019, que levou à queda abrupta no número de deputados. “Não estamos em condições de entrarmos em aventuras”, concluiu, antes de pedir que votassem favoravelmente o seu requerimento, de modo a evitar que o PSD leve com “as eleições legislativas em cima”. “No momento em que estamos a preparar as diretas e o congresso, temos de preparar o programa eleitoral, as listas a deputados, temos de preparar a campanha eleitoral”, sinalizou. Mas tais palavras não convenceram uma grande parte dos conselheiros.
O presidente do PSD acabou por deixar acabar a reunião do Conselho Nacional sem adiantar se pretende ou não entrar na corrida à liderança, que, para já, só conta com Paulo Rangel.
Atualizado às 2.30 horas de sexta-feira