À terceira foi de vez. O julgamento de Ricardo Salgado – processo que “nasceu” na sequência de transferências de cerca de 10 milhões de euros identificadas no âmbito da Operação Marquês – arrancou esta terça-feira no Tribunal Central Criminal de Lisboa. O ex-homem-forte do Grupo Espírito Santo (GES), que responde por três crimes de abuso de confiança, esteve ausente da sessão.
Nesta primeira sessão, foram ouvidos como testemunhas Francisco António Machado da Cruz, que ocupou o cargo de contabilista do Banco Espírito Santos (BES), entre 2004 e 2014, e Michael Canals, ex-gestor de fortunas no banco suíço UBS, figura central na gestão de empresas e contas identificadas nos mais mediáticos casos da Justiça portuguesa (como os processos Monte Branco ou Operação Marquês).
Machado da Cruz, de 62 anos, ele próprio arguido no processo que envolve o BES, identificou-se como estando atualmente desempregado, e prestou declarações perante o coletivo de juízes contrariado, já depois de ter visto ao início da tarde um requerimento, apresentado pelos seus advogados, com vista a dispensá-lo de falar, ter sido rejeitado pelo tribunal, que ainda sublinhou que a recusa em prestar declarações poderia, eventualmente, resultar em sanções penais. O ex-funcionário do BES voltou a afirmar que era Ricardo Salgado quem mandava e que foi por sua ordem que, desde 2008, ocultou dívida na holding do GES. O arguido admitiu, novamente, ter sido uma “surpresa” ser “acusado no processo Espírito Santo”.
Michel Canals, por sua vez, prestou testemunho à distância, por videochamada, através de um telemóvel. Às perguntas, o ex-funcionário bancário respondeu em italiano, com recurso a um tradutor. Questionado se conhecia Ricardo Salgado, começou por responder de forma retórica: “Quem é que não conhece o Ricardo Salgado em Portugal?”. Sobre as transferências polémicas, Canals confirmou ainda que Salgado era, de facto, dono da Savoices, que identificou como “uma empresa de gestão de fundos”, – para onde seriam transferidos de, pelos menos, 4,250 milhões de euros: da Akoya (1,5 milhões), empresa que Canals geria na Suíça, tendo como partners, entre outros, Hélder Bataglia, homem-forte da Escom (empresa do universo GES), e do BES Angola (2,750 milhões). Confrontado pelo tribunal com a ordem de pagamento de 1,5 milhões da Akoya para a Savoices, assinada por Bataglia, Canals afirmou que a Akoya “não era um banco” e, portanto, “não podia fazer pagamentos”. A transferência terá sido, segundo o próprio, dada em Lisboa, depois de aprovada por si ou por Bataglia. Canals afirmou, no entanto, não se recordar concretamente como tudo se processou.
O julgamento prossegue agora na próxima quinta-feira. O inspetor das Finanças Paulo Silva será ouvido como testemunha.
Lesados do BES marcam presença
O dia ficou também marcado por uma manifestação à porta do tribunal. Antes da sessão, um grupo de cinco lesados do BES reuniu-se, empunhando cartazes, para voltar a reclamar as poupanças perdida que estavam depositadas naquele banco. O objetivo seria confrontar Ricardo Salgado, mas o acusado, de 77 anos, voltou a não marcar presença no Campus de Justiça, justificando a ausência com idade avançada e com a pandemia de covid-19. Sem o principal visado, um dos lesados dirigiu-se à porta do tribunal aquando da chegada dos advogados de defesa do ex-presidente do BES, cabendo a Proença de Carvalho estabelecer um breve diálogo com o manifestante.