Foi uma manhã normal no 22º Congresso Nacional do PS. No Exposalão Batalha, Carlos César foi reeleito presidente do partido com 96,3% dos votos, a Comissão Organizadora do Congresso também teve uma votação expressiva (96,55%), a Mesa da reunião magna também (96,26%) e a Comissão de Honra idem (96,9%). Tudo previsível. Até mesmo quem desalinhou do discurso dominante, Daniel Adrião, não se desviou do guião que todos esperavam.
César deu o mote, fez uma revisão da matéria dada, ou seja, revisitou os dois anos e meio de governação de António Costa, enaltecendo as suas principais bandeiras e conquistas e projetou 2019, com um “foco de esperança”, para que o partido vença as europeias, as regionais madeirenses e as legislativas.
Após o balanço, o também líder parlamentar do PS definiu o partido como “central” no espetro político português, defendendo que os socialistas ocupam uma “posição privilegiada” na concertação social e também no diálogo com a esquerda e com a direita, mesmo tendo reiterado a fidelidade aos atuais parceiros BE, PCP e PEV.
“A posição que o PS ocupa, como partido central da esquerda portuguesa, tem potenciado as suas capacidades para concitar os contributos dos mais variados setores e para deter uma posição privilegiada na concertação social e no diálogo interpartidário. Devemos prosseguir nessa vocação, em resultado da qual somos, aliás, o único partido político português aceite numa interlocução com consequências de médio prazo à direita e à esquerda do espetro partidário”, notou César.
Para o presidente “rosa”, as posições conjuntas assinadas em novembro de 2015 nunca puseram “em causa a identidade do PS” e os traços distintivos face às outras três forças que compõem a “geringonça”. “Sentimo-nos bem com a essa colaboração”, reforçou, sem tecer considerações sobre se os acordos devem ou não ser renovados na próxima legislatura.
Linha similar desenvolveu Mariana Vieira da Silva, a secretária de Estado Adjunta do primeiro-ministro, que ficou incumbida de apresentar a moção de estratégia que tem António Costa como primeiro subscritor. Porém, apontou já ao futuro próximo.
“Precisamos de, a partir de hoje, construir novos compromissos e novas garantias a dar aos portugueses nas próximas eleições legislativas”, frisou, após ter rebatido as acusações de que o documento cunhado pelo secretário-geral, intitulado “Geração 20/30”, se caracterize por ser “vago”.
Curiosa foi a intervenção do deputado Ascenso Simões, que em 2015 dirigiu a campanha eleitoral do líder socialista rumo às legislativas. O ex-secretário de Estado do Desenvolvimento Rural e das Florestas (2008/2009), da Proteção Civil (2007/2008) e da Administração Interna (2005/2007) revelou uma teoria que era partilhada no Executivo quando António Costa era ministro da Administração Interna: “a teoria do poço”.
Entre incêndios e outras catástrofes, enunciou, “estávamos todos no poço”, embora convictos de que “António Costa encontraria uma solução, mesmo que tivéssemos de sair sem uma perna, um braço ou uma orelha”. O recuo temporal serviu para um paralelismo: ele, Ascenso Simões, que, no início, discordou da formação da plataforma de esquerda, reconhece hoje que só o primeiro-ministro a conseguiria pôr a funcionar bem. E até já lhe dá o benefício da dúvida.
Para futuro, o deputado sublinhou que será “impossível” que o PS se associe ao PSD e ao CDS – partido que classificou como “infantil” – para governar, mas reproduziu a tese que veiculou esta semana em entrevista ao i. O PS, defendeu, deve procurar conquistar “uma maioria o mais ampla possível” nas urnas em 2019.
Até Daniel Adrião, que perdeu novamente nas diretas com Costa, não se desviou do seu guião. Exigiu mais democracia interna no PS, um partido que recusa ver com “donos”, insistiu na necessidade de introduzir primárias abertas a simpatizantes para a eleição dos diversos cargos internos e externos e defendeu, outra vez, que o primeiro-ministro não deve acumular a função de secretário-geral do partido.
Numa manhã que começou com a música do filme Missão Impossível como fundo, o secretário-geral da JS, Ivan Gonçalves criticou a disparidade entre o crescimento dos rendimentos dos gestores das empresas do PSI 20 e o dos respetivos trabalhadores e insistiu na necessidade de se legislar sobre a prostituição, falando na “defesa daqueles que de livre vontade optam por fazer do trabalho sexual a sua profissão”.
Já perto do final, houve ainda as intervenções de Sergei Stanishev, líder do Partido Socialista Europeu, que deixou um “obrigado” a Costa pelo trabalho que tem desenvolvido, de Carlos Zorrinho, que coordena os deputados socialistas em Bruxelas, que enalteceu o papel da geringonça a contrariar a “asfixia democrática” que a ameaçava o projeto comunitário e também de Elza Pais, que pediu ao PS para apostar em mais mulheres nos cargos de chefia e representação até mesmo internamente.
Às 13h10, Carlos César interrompeu os trabalhos para almoço, cinco minutos antes da hora prevista – o que, atendendo ao histórico de atrasos dos congressos partidários, pode, enfim, ser considerado uma novidade.