“O Presidente da República enviou hoje uma mensagem à Assembleia da República, indicando que decidiu devolver, sem promulgação, o decreto n.º 201/XIII, relativo ao regime jurídico de transporte individual e remunerado de passageiros em veículos descaracterizados a partir de plataforma eletrónica”, o chamado TVDE, informa uma nota publicada no ‘site’ da Presidência.
O objetivo de Marcelo Rebelo de Sousa é que o parlamento “mostre abertura para reponderar a mencionada solução, por forma a ir mais longe do que foi – nomeadamente nas tarifas ou na contribuição -, na obtenção desse equilíbrio no tratamento de operadores de transportes em domínio socialmente tão sensível, idealmente regulando o TVDE em simultâneo com a modernização da regulação dos táxis”, refere a mesma informação.
O parlamento aprovou no final de março, em votação final global, a lei que vai regular a atividade das plataformas eletrónicas de transporte de passageiros em viaturas ligeiras descaracterizadas.
De acordo com Marcelo Rebelo de Sousa, este decreto “vem reger uma matéria nova, no que respeita ao transporte individual e remunerado de passageiros, com implicações em termos económico-financeiros, sociais e jurídicos”.
“A situação não é exclusivamente nacional, antes tem motivado reflexões e debates em curso em inúmeras sociedades, europeias e não europeias”, aponta o chefe de Estado, referindo que, como “não se conhecem casos de regulação nacional específica, […] o presente decreto é de cariz inovador”.
Porém, “o regime ora submetido a promulgação apenas disciplina a matéria de TVDE, anunciando embora o propósito de equilibrar os direitos e as obrigações dos dois tipos de entidades em presença”.
Em sentido contrário devia “integrar no nosso ordenamento jurídico inovações tecnológicas significativas, acautelando situações criadas no passado e que merecem proteção”, vinca Marcelo de Sousa.
Apesar de reconhecer “o esforço desenvolvido pelo Governo e pelos partidos que o aprovaram, para tentar encontrar o mencionado equilíbrio”, o Presidente considera assim que o diploma “suscita duas reservas políticas de fundo”.
Em primeiro lugar, assinala que, “ao abranger só uma das entidades concorrentes, perde a oportunidade de, ao mesmo tempo, rever, em conformidade, o regime legal da outra entidade (os táxis), ou seja, perde a oportunidade de tratar de forma global e com maior equidade o que assim poderia e deveria ter sido tratado”.
Como segunda reserva, o Marcelo Rebelo de Sousa indica que “o propósito de alcançar uma solução equilibrada não foi plenamente atingido”.
“No caso dos táxis há contingentes, que não existiriam para o TVDE. E essa diferença essencial deveria ter sido adequadamente compensada, sobretudo porque, nos táxis, as tarifas continuam a ser fixas, ao contrário do TVDE, em que são livres”, elenca o Presidente, argumentando que “estas duas diferenças económico-financeiras de peso não são compensadas nem pelo uso de corredores BUS, nem pelas praças e o acesso em plena via pública […], hoje muito menos significativos devido à possibilidade de chamada por via eletrónica para qualquer local” nas plataformas.
Marcelo Rebelo de Sousa precisa que “a única compensação de vulto poderia ser a contribuição paga pelo TVDE”. Contudo, tal compensação “acabou por ficar, no seu valor concreto, nas mãos das autoridades administrativas, e com um patamar mínimo simbólico”.
“Por outras palavras, a grande compensação da inexistência de contingentes e de um regime favorecido de tarifas para o TVDE pode acabar por ser insignificante”, adianta.
A proposta de lei do Governo deu entrada na Assembleia da República em 10 de janeiro de 2017, tendo o diploma baixado à especialidade.
Esse debate na especialidade só foi agendado já este ano, tendo sido adiado por duas vezes, acabando por terminar com a votação, em meados de março.
O facto de veículos de transporte de passageiros através de plataformas eletrónicas se encontrarem a operar desde 2014 sem regulamentos tem sido contestado pelo setor do táxi.
A nova lei deixa de fora a definição, pelas autarquias, do número de veículos ao serviço das plataformas, os chamados contingentes, defendidos pelas associações dos táxis, que já aventaram a possibilidade de novas formas de luta.
Cabify garante colaboração com parlamento para lei “progressista”
A plataforma eletrónica de transporte privado de passageiros Cabify assegurou hoje que vai colaborar com a Assembleia de República para “uma regulação progressista” após o veto do Presidência da República .
“À semelhança da sua postura desde o início deste processo, a Cabify mantém-se disponível para colaborar com a Assembleia de República para que seja alcançada uma regulação progressista para o setor da mobilidade em Portugal”, refere a empresa numa posição escrita enviada à agência Lusa.
Para a Cabify, “alcançar este objetivo só será possível com a consideração de todas as partes envolvidas”.
“Acreditamos que, em breve, estaremos a operar em Portugal, num setor regulado e justo, bem como num ecossistema que favoreça a inovação e as necessidades dos utilizadores”, adianta.
Uber espera breve aprovação” de uma lei “moderna e transparente”
“Continuaremos a acompanhar o processo legislativo e aguardamos pela breve aprovação de um quadro regulatório moderno e transparente para a mobilidade nas cidades portuguesas, que traga a devida clareza jurídica à atividade de mais de cinco mil motoristas”, indicou a Uber, numa curta reação enviada à agência Lusa.
Taxistas aplaudem
A Federação Portuguesa do Táxi (FPT) e a Associação Nacional dos Transportes Rodoviários em Automóveis Ligeiros (ANTRAL) aplaudiram hoje o veto do Presidente da República à lei que regularia a atividade das plataformas eletrónicas de passageiros, considerando-a desequilibrada.
“Aplaudimos a posição do Presidente da República. Aliás, faço lembrar que no dia em que o parlamento […] votou aquela lei, eu disse que tinha sido criado um monstro e que, se fosse promulgada, essa lei levava à falência milhares de empresários e, felizmente, que há pessoas de bom senso e o senhor Presidente da República percebeu isso e fez muito bem em vetar a lei e em mandá-la para o parlamento”, afirmou à agência Lusa o presidente da FPT, Carlos Ramos.
Por seu lado, o presidente da ANTRAL, Florêncio Almeida, disse ver “com alguma alegria” a posição de Marcelo Rebelo de Sousa, argumentando que, a ser promulgada, seria “uma lei prejudicial em relação ao setor do táxi”.
“Não podemos, de forma alguma, permitir que haja um setor paralelo ao setor do táxi através de uma concorrência sem regras
De acordo com Carlos Ramos, da FPT, “há, de facto, um desequilíbrio na lei”, por representar “uma concorrência desleal” que levaria ao “fim do setor do transporte em táxi”.
“Sempre dissemos que havia um desequilíbrio total na lei, que não era possível concorrermos de uma forma saudável com aquele tipo de transportes na forma que a lei estava a prever”, sem fixar contingentes e tarifas, como “o Presidente da República chama a atenção”.
Carlos Ramos vincou que “é preciso agora que os partidos […] tenham bom senso e percebam o que está em causa, que são empresas de transporte, como continua a dizer o tribunal europeu, e têm de ser tratadas como tal”.
Também cético quanto à reformulação da lei mostrou-se Florêncio Almeida, da ANTRAL.
“Agora vamos ver o que a Assembleia da República vai fazer daqui para o futuro. Se cumprir com as orientações do tribunal europeu, não vai ser muito fácil arranjar uma forma de acomodarem estas plataformas como querem acomodar e com o interesse não sei de quem”, adiantou.
Quanto à modernização da legislação dos táxis, também pedida por Marcelo Rebelo de Sousa, os dois responsáveis admitiram que é necessária.
Segundo Carlos Ramos, por ajustar estão matérias como a criação de uma idade limite de 10 anos para os carros e de uma única cor, a introdução de um sistema de pagamentos automático e de faturação nas viaturas, a renovação do parque automóvel para energias mais limpas, entre outras, num total de 28 propostas da FPT.
Ainda assim, de acordo com Florêncio Almeida, “com a capacidade financeira [das empresas de táxi em Portugal] também não é muito fácil evoluir tão rapidamente” quanto desejado, pelo que solicitou apoio do executivo para a modernização.
PS quer alterar diploma para “acomodar preocupações do Presidente”
O PS pretende alterar, e não confirmar, o diploma vetado que regula o transporte de passageiros através de plataformas como a Uber e a Cabify, com “um esforço para acomodar as preocupações do Presidente”, anunciou Carlos César.
“No que toca ao PS, faremos um esforço para acomodar algumas das preocupações do Presidente da República, que me parecem compagináveis com as que também temos e que acabaram por não ficar na lei aprovada”, afirmou o líder parlamentar do PS.
Numa declaração enviada à agência Lusa, Carlos César acrescentou: “Não confirmaremos, por isso, o diploma e procuraremos essas alterações”.
com Lusa