Isaltino Morais, já se sabe, regressa ao concelho que, quando foi preso por branqueamento de capitais e fraude fiscal, deixou entregue a Paulo Vistas. Este assumiu a sucessão, foi a votos e honrou a herança com uma vitória nas urnas. Na noite das eleições, em 2013, Vistas agradeceu a Isaltino, mas com o tempo o afastamento tornou-se evidente e irreversível. No próximo dia 1 de outubro, criador e criação vão defrontar-se nas urnas, como independentes.
Mas a meio dos dois há um nome que tem passado despercebido. A VISÃO foi falar com ela e relata-se aqui a conversa. Sónia Amado Gonçalves, 43 anos, casada e mãe de três filhos, tem voz rouca mas determinada. Chegou à política pela mão de Paulo Vistas mas foi com Isaltino que acabou por crescer. Independente (embora a sua área partidária seja o PSD, como os restantes candidatos independentes), considera que é o momento de cortar os cordões umbilicais e ir à luta.
Licenciada em Direito, Sónia chamou a atenção de Isaltino e de Vistas nas reuniões que tinha com a câmara de Oeiras, enquanto jurista do Sport Algés e Dafundo. Num desses encontros, conta, Isaltino disse, perante os presentes: “Tenho imensa pena. Já convidei esta miúda para vir trabalhar comigo, mas ela não deve gostar de mim…” Nem uma coisa nem outra eram verdade, garante Sónia, que nem tinha recebido convite, nem desgosta de Isaltino, um homem que, diz, cria muita empatia.
Um dia, recebe um telefonema de Vistas (então vice-presidente da autarquia). Queria que Sónia se envolvesse na campanha de 2009. “Desde o 9º ano que queria fazer política. Era a altura ideal para experimentar”, recorda. Frequenta a sede (do IOMAF) e entra nas listas (em 13º lugar) para a Assembleia de Freguesia (AF) de Algés. “Acabo com assento permanente na AF e torno-me líder da bancada. E eu chateada por não ter protagonismo…!” O tempo passa e, na reta final do mandato, torna-se adjunta da vereadora Madalena Castro. Chega à Câmara dois meses antes de Isaltino ser preso, recorda. E quando isso aconteceu, Sónia disponibilizou-se a ajudá-lo, enquanto jurista e acompanha a sua estadia na prisão, ajudando naquilo que considerava serem as suas “obrigações humanas e profissionais”. A decisão deu-lhe tema para a sua tese de mestrado, em Comunicação, dedicada à Mediatização da Justiça: Opiniões, notícias e factos – O caso Isaltino Morais. Mas os encontros tiveram outros resultados. Um desses dias, Isaltino diz-lhe: “Devias integrar a lista para a Assembleia Municipal (AM), ter outra visibilidade.” Assim se fez.
Vistas é eleito e Sónia entra para a AM, cargo que acumula com o de adjunta de vereação. Mas Paulo Vistas e Madalena Castro incompatibilizam-se. Os pelouros são retirados à vereadora. Sónia mantém-se ainda durante três anos, fazendo a ponte entre a presidência e os serviços, diz. Em 2016 estava insatisfeita com “o rumo das coisas” e, revela, Vistas propõe-lhe que deixe o cargo de confiança política para assumir um lugar de técnica na autarquia. “Na conversa, só faltou oferecer-me o euromilhões”, garante. Preferiu sair da câmara, não sem antes levantar o véu sobre o seu futuro: à pergunta de quem iria apoiar, nas eleições de 2017, Sónia diz ter respondido a Vistas: “não descarto a hipótese de um projeto pessoal”.”O objetivo estava traçado”, confessa. “E quando traço um objetivo, não me desvio um centímetro!”
A caminhada
Não apoiaria nem Vistas, o primeiro a lançar-lhe o desafio autárquico e a traze-la para a política, nem Isaltino, que lhe aguçou a ambição. “Isaltino foi o nosso Durão Barroso. Saiu do concelho para ser ministro e creio que ainda hoje se arrepende. Não faz sentido largar a nossa terra quando ainda há muito para fazer” e “as experiências de sucessão [referindo-se a Teresa Zambujo e a Paulo Vistas] não têm sido bem sucedidas”, explica.
A 12 de fevereiro deste ano, no Palácio dos Aciprestes, Isaltino surpreende-a com um “quero que sejas a minha candidata à União de Freguesias Algés, Linda-a-Velha, Cruz Quebrada-Dafundo. Não te levo como vereadora porque não volto a apostar em pessoas que tenham ambição a ser presidentes de câmara”, conta. Sónia partia nessa noite para o Brasil e pediu-lhe tempo. Uma semana depois, no mesmo local, dir-lhe-ia que nunca se tinha posicionado para ser candidata nas suas listas nem se identificava com a sua candidatura. Ao ouvir um “não”, Isaltino ter-se-á levantado e respondido: “Tu vais-te arrepender”, recorda Sónia.
Uma semana depois, a advogada diz-lhe que vai avançar com uma candidatura independente. “Foi a primeira pessoa fora do núcleo familiar com quem falei”, conta, revelando o que ouviu a seguir: “Não tens hipótese nenhuma”; “já sabia, porque uma empresa de comunicação que contactaste já mo tinha dito”; “não vais conseguir sequer as assinaturas.” Mas no fim, deu-lhe um abraço e rematou: “independentemente da minha opinião, és uma grande mulher”.
Vistas também a tentaria condicionar. Em maio, Sónia anunciava a sua candidatura. Por essa altura, revela, “uma pessoa próxima de Paulo Vistas liga-me e diz que tenho lugar na lista dele. Respondi que o prazo da conversa tinha terminado em maio de 2016”.
Foi disputada, mas insensível aos convites. Contrariou as previsões de Isaltino e conseguiu entregar as assinaturas à câmara, à Assembleia Municipal e a uma junta. Viu a sua lista recusada (tal como a de Isaltino) mas regressou à corrida. Olha para os dois homens que a orientaram na política e diz: “O verdadeiro líder prepara a sucessão, não encara o sucessor como uma ameaça. Paulo Vistas tem tendência para afastar as melhores pessoas, porque tem noção plena das suas limitações, das suas incompetências.” Já Isaltino, diz Sónia, “rodeia-se dos melhores, mas a última palavra é dele.” Só que hoje, complementa, “faltam-lhe perspetivas para um projeto futurista. As condições com que Isaltino Morais governou Oeiras são irrepetíveis, por isso é preciso uma nova geração.”
Tão amigos que já foram.