O médico Luís Cunha Ribeiro, ex-presidente do INEM e da Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo, foi detido pela Polícia Judiciária (PJ) esta manhã, por suspeitas de corrupção nos negócios de compra do plasma sanguíneo. Apesar de ser o único detido, não é o único que está sob suspeita no negócio que valeu milhões à farmacêutica suíça de Lalanda e Castro, ex-patrão de José Sócrates, e terá causado um prejuízo ao Estado de mais de 100 milhões de euros. De acordo com informações recolhidas pela VISÃO, outros dos 14 jurados que fizeram parte do concurso público que, em 2000, entregou à farmacêutica Octapharma o negócio milionário da venda de plasma aos hospitais públicos portugueses, estão também na mira dos investigadores. Muitos deles são médicos imunoterapeutas.
O Ministério Público suspeita que Cunha Ribeiro terá acordado com Lalanda e Castro, administrador da farmacêutica, que utilizaria as suas funções e a sua influência para beneficiar a empresa suíça. Suspeita-se que terá sido devido a esse favorecimento que a Octapharma conseguiu uma posição de monopólio no fornecimento de plasma humano inativado aos hospitais públicos e “uma posição de domínio no fornecimento de hemoderivados a diversas instituições e serviços que integram o Sistema Nacional de Saúde (SNS)”. E que, em contrapartida, Luís Cunha Ribeiro – que durante anos viveu no prédio Heron Castilho, o mesmo de José Sócrates, num apartamento que era propriedade de Lalanda e Castro – terá recebido da Convida, sociedade imobiliária também de Lalanda e Castro, dois apartamentos de luxo, um em Lisboa, outro no Porto. À frente do INEM, Cunha Ribeiro trabalhou com Helena Lalanda e Castro, irmã do patrão da Octapharma.
Em cima da mesa estão suspeitas de corrupção activa e passiva, recebimento indevido de vantagem e branqueamento de capitais.
O negócio, denunciado pela TVI numa grande reportagem emitida em Junho de 2015, é altamente polémico. E não só porque Portugal era dos poucos países da Europa que não aproveitava o plasma seguro dos seus dadores (acabando por destrui-lo, pagando a uma empresa para esse efeito, em vez de lucrar com a venda no mercado internacional), tendo de gastar milhões a comprar plasma de dadores estrangeiros à Octapharma.
O próprio concurso que em 2000 foi ganho pela Octapharma estabelecia que o prazo de validade desse contrato dependia da adjudicação de um novo concurso. Pelo menos em 2004 e em 2005 o então secretário de Estado adjunto do ministro da Saúde prorrogou por despacho o concurso de 2000. Em Julho de 2007, Francisco Ramos anulou um concurso de 2005 – em que a Octapharma perdia a posição dominante – com o argumento de que se ia avançar para o fracionamento do plasma português, o que não aconteceu. Há pelo menos um concurso anulado e outro que nunca chegou a ser adjudicado. A Octapharma continuou assim, durante anos, a liderar o negócio do plasma no âmbito de um contrato que entrara em vigor em 2000.
Entretanto, o Hospital de São João também começou a aproveitar 25 mil unidades de plasma dos seus dadores. Lançou um concurso público internacional a que, devido às suas regras, só uma empresa farmacêutica concorreu: a Octapharma.
Cunha Ribeiro é o único detido da operação baptizada de Operação O- (= negativo). Estão a ser feitas mais de 30 buscas domiciliárias e não domiciliárias, incluindo no INEM, no Ministério da Saúde, em território suíço e em escritórios e locais de trabalho de advogados. Na operação participam três juízes de instrução criminal, oito magistrados do Ministério Público, 80 elementos da Polícia Judiciária, além de peritos da Unidade de Perícia Financeira e Contabilística e da Unidade de Tecnologia e Informação da PJ. No processo, que investiga factos de 1999 a 2015, o Ministério Público é coadjuvado pela Unidade Nacional de Combate à Corrupção.