O Departamento de Investigação e Ação Penal (DIAP) de Lisboa está a ponderar abrir um inquérito por violação de correspondência em dois dos processos judiciais mais mediáticos dos últimos anos: a Operação Marquês, que tem como principal arguido José Sócrates e ainda está em investigação, e o caso Vistos Gold, que vai levar a julgamento o ex-ministro Miguel Macedo e ex-altos quadros do Estado por suspeitas de corrupção em torno da atribuição de vistos dourados, e tem início de julgamento agendado para janeiro.
A violação de correspondência foi detetada pelos próprios CTT e as reclamações foram enviadas aos processos por advogados da sociedade Saragoça da Matta & Silveiro de Barros. Ao que a VISÃO averiguou, dois envelopes dirigidos a dois advogados diferentes daquele escritório, remetidos pelo Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, e com a indicação do número do processo, terão sido abertos e rasgados no mesmo dia de junho. Já tinha acontecido o mesmo com outra carta enviada em fevereiro pelo Tribunal Central de Instrução Criminal (TCIC).
Nas reclamações que enviaram aos processos, os advogados explicam que a correspondência só pode ter sido violada entre o momento em que saiu da secretaria do tribunal e o momento em que deu entrada nos CTT. No primeiro caso, o envelope foi colocado dentro de um saco de plástico e foi aposto um carimbo pelos CTT que dizia: “Deu entrada no SAD, com o invólucro danificado e o peso de 10 gramas…” No segundo caso, não havia qualquer carimbo nas missivas a indicar que tinham sido entregues aos CTT já danificadas ou abertas. Mais recentemente, os advogados descobriram mais um indício de que a abertura daquelas cartas, específicas daqueles dois processos, não terá sido acidental: chegou danificada uma carta que indicava como número de processo o “3092” (um caso de difamação que não envolve nenhuma figura mediática); o número do processo dos Vistos Gold é o “3902”.
Numa das reclamações enviadas, e a que a VISÃO teve acesso, o advogado Paulo Saragoça da Matta descreve a situação como “inadmissível e gravíssima”, dado o teor da correspondência em questão, e diz que “a reiteração de violação de correspondência em dois processos criminais de extremo impacto mediático (a Operação Marquês e o Vistos Gold) permite concluir, sem margem para dúvidas, de que não se trata de mero acaso, mas de intencional violação de correspondência para fins que sendo desconhecidos são adivinháveis”: “Recebendo este escritório dezenas de notificações judiciais por semana, apenas nestes processos criminais mediáticos os envelopes, que identificam os números de processo no exterior, são entregues aos CTT já violados, ou são violados no decurso do processo de tramitação da correspondência dentro dos próprios CTT.”
O advogado que representa o arguido Paulo Lalanda e Castro, administrador da farmacêutica Octapharma, chegou inclusivamente a apresentar uma queixa junto dos CTT, sustentando que houve uma “manifesta intenção” na violação da correspondência pois “não se abre por engano duas missivas postais relativas ao mesmo processo criminal no mesmo dia”.