A esquerda vai tentar sobreviver, mais um ano, no equilíbrio difícil arquitetado por António Costa; a direita, com divórcio de papel passado, continua a tentar ultrapassar a imagem ‘‘auSteritária’’ e mostrar que o seu caminho não devia ter sido interrompido. Num e noutro campo, erguem-se desafios que não prometem facilidades.
Pedro Passos Coelho trouxe mais do mesmo à rentrée do PSD, no Pontal, e não deverá mudar a estratégia (da desgraça) no encerramento da Universidade de Verão, no domingo, 4. António Costa, com rentrée-conferência marcada para 16 e 17 de setembro, desdobra-se entre a gestão dos fogos ateados no verão, a estabilidade da Caixa Geral de Depósitos (CGD) e ainda tem de gerir especulações sobre futuras remodelações. Catarina Martins, arrependida confessa da participação do Bloco de Esquerda na geringonça, prepara-se para retomar as sessões de trabalho com o PS, com vista à discussão do próximo Orçamento do Estado. Jerónimo de Sousa, na Festa do Avante!, agita as bandeiras comunistas, para não os perder para sempre. E Assunção Cristas, com a escola de quadros a começar hoje e a rentrée marcada para dia 10, continua a percorrer o País em busca de maior notoriedade.
Depois, é a rentrée à séria, com o regresso aos plenários parlamentares, à comissão de inquérito da CGD e as viagens a convite da Galp, a votação do orçamento retificativo (para acomodar o custo do banco público) e, finalmente, a negociação, a discussão e a votação do Orçamento do Estado para 2017. Só depois da sua aprovação, com os votos do PS, do BE e do PCP, se terá a certeza que a legislatura continua.
Enquanto isto, PSD e CDS tentarão, cada um por si, mostrar que o caminho que está a ser seguido está a levar o País à ruína.
A hora da verdade
Principal desafio: Agradar tanto a Bruxelas como às esquerdas
O PS quer aprovar um Orçamento (OE) para 2017 que respeite o programa do Governo e satisfaça tanto Bruxelas como as expectativas das esquerdas que suportam o Executivo. Mas enquanto negoceia o OE com cbloquistas e comunistas, o PS já anda, pelo País, à procura daqueles que possam dar mais luta aos adversários, nas próximas autárquicas – sejam eles de direita… ou de esquerda. Com tantas frentes ativas, conseguirá o PS manter a liderança da Associação de Municípios?
Lá fora, o PS quer contribuir para que a Europa faça inversão de marcha em vários dossiers e pare para pensar nas melhores respostas às crises com que se viu confrontada em 2016.
Maior trunfo: A geringonça já está em velocidade de cruzeiro
Para o PS, cuja direção diz saber o que quer para o País, o maior trunfo é terem, para o concretizar, um homem “determinado”, “com ambição para o País” e “um político capaz de fazer muitas pontes”: Costa. O facto de a geringonça estar a completar um ano ajuda. Limadas as (maiores) arestas e criadas relações mais sólidas, será mais fácil garantir a estabilidade da máquina.
Maior dificuldade: Esta Europa
Se Bruxelas não aplicou sanções nem exigiu medidas adicionais, ficou o aviso de que Portugal não tem margem para derrapar no cumprimento da meta do défice – o que é difícil, quando as perspetivas de crescimento económico continuam abaixo do previsto e há uma CGD para recapitalizar. Neste ou noutros dossiers, o PS, que é fortemente europeísta, gostaria que a UE desse um passo atrás (em questões de segurança ou do euro), para dar 30 para a frente.
Protagonistas: António Costa, que personifica todo o Governo, e os parceiros que apoiam a sua solução governativa estarão no centro do cenário político.
De resto, Pedro Nuno Santos, nos Estado dos Assuntos Parlamentares, continuará responsável pelo funcionamento da geringonça; e Ana Catarina Mendes, coordenadora autárquica, não deixarão de brilhar.
A crescer e a afirmar-se
Principais desafios: Orçamento de 2017
Para o Bloco de Esquerda, o orçamento é um momento determinante. “O debate será feito num contexto de pressão da União Europeia, que tem como objectivo condicionar a capacidade de escolha do País para impor um caminho único de austeridade”, diz uma fonte da direção bloquista. O Bloco empenhar-se-á assim na negociação de um Orçamento que resista à pressão europeia e que “mantenha sólida a trajetória de recuperação de rendimentos do trabalho”.
A sustentabilidade da dívida pública, a luta contra a precariedade laboral, a política de habitação e a segurança social, que deram origem a grupos de trabalho com o PS e o Governo no âmbito da atividade parlamentar, também deverão marcar o futuro próximo do partido.
Maior trunfo: Acordos à esquerda
Para o partido de Catarina Martins, “a recuperação de salários e pensões é a razão dos acordos de maioria e, por isso mesmo, o seu cimento e garantia de estabilidade”.
Maior dificuldade: Evitar cortes dos fundos estruturais
A Comissão Europeia decidiu, no início do verão, anular o processo de sanções contra Portugal. “Foi uma vitória para o País. Falta agora garantir, com a mesma determinação, que a Comissão Europeia não impõe cortes nos fundos estruturais.”
Surpresa: Segundo os bloquistas, o sistema financeiro internacional continua a ser o maior risco para Portugal e para a Europa.
Protagonistas: “Falta mais de um ano para as próximas autárquicas, mas o Bloco tem hoje uma nova geração de autarcas empenhados nas lutas pelo direito à cidade e ao território, que, a seu tempo, será protagonista desse momento eleitoral”, garante um dirigente do BE. Zuraida Soares e Paulo Mendes serão rostos fundamentais das candidaturas do Bloco, às eleições nos Açores, em outubro. “No plano imediato, na negociação do orçamento, o Bloco terá as equipas que, no Parlamento como nos grupos de trabalho, têm garantido a articulação política com o Governo”.
Manter-se decisivo
Principais desafios: Manter o eleitorado fiel, numa época turbulenta
Manter uma agenda própria e não desistir das suas bandeiras para garantir que, em caso de eleições antecipadas, não é o partido da geringonça que mais perde nas urnas. As sondagens continuam desfavoráveis aos comunistas e já há analistas a dizer que, numa reedição da geringonça, o PCP pode ser o parceiro dispensável.
Há congresso em dezembro e a questão da liderança pode ser discutida, com Jerónimo a poder ser sujeito ao seu julgamento interno. Os méritos e deméritos dos acordos de esquerda serão avaliados em pormenor. Avançará o PCP para a sucessão de Jerónimo ou mantém o operário ao leme do partido? Que senhores se poderão seguir no PCP? João Oliveira, líder parlamentar? Bernardino Soares, presidente da Câmara de Loures? João Ferreira, eurodeputado? Estarão os comunistas preparados para a nova geração?
Maior trunfo: A força (sindical) do PêCê
A força sindical que o PC mantém em importantes setores da sociedade e que António Costa tem todo o interesse em manter apaziguada.
Maiores dificuldades: Manter identidade (e eleitorado), na geringonça
Depois de perder o estatuto de quarto partido parlamentar, o PCP tem muito a recuperar. Marcado pelo acordo inédito com os socialistas, os comunistas têm de assegurar a fidelidade do seu eleitorado e, ao mesmo tempo garantir a sustentabilidade dos acordos, para que o poder não regresse à direita. Tudo isto, sem se deixar aniquilar pelo BE. Eis a quadratura do círculo dos comunistas.
Protagonistas: Jerónimo de Sousa já demonstrou disponibilidade para deixar a liderança do partido, mas como reagirá o PC, em Congresso? Terão mais força os ortodoxos, que rejeitam o acordo com o PS, ou aqueles que preferem ver o PC lado a lado com o PS e o Bloco, contra o regresso da direita ao poder?
João Oliveira: Apontado como putativo sucessor de Jerónimo, tem, para já, a difícil tarefa de manter a bancada parlamentar em sintonia com o Governo.
Miguel Tiago: será novamente o rosto central do PCP no Parlamento, cabendo- -lhe os dossiers mais sensíveis, como o inquérito à CGD.
Tempo de trocar o chip
Principais desafios: Cortar com o passado e começar a fazer oposição
Para combater a “ilusão e a manipulação política” instalada desde que António Costa chegou ao poder e reverter o caminho que, acreditam os sociais-democratas, está a “levar Portugal a retrocessos sociais e económicos graves” o PSD terá de soltar as amarras do passado e começar a fazer uma oposição (crítica mas ao mesmo tempo construtiva). Só assim conseguirão mostrar que o PSD tem um projeto para o País e que o caminho que propõe é diferente daquele, autoritário, que levou por diante, com a troika.
Maiores trunfos: O seu líder (para o bem e para o mal) e os números
O PSD adotou a estratégia inversa à do CDS e manteve Passos Coelho à frente do partido – e o resultado só poderá ser avaliado mais tarde. Enquanto a liderança não for, de facto, contestada, Pedro Passos Coelho será “vendido” pelo PSD como o homem mais bem preparado para o cargo, com provas dadas, o líder certo para demonstrar que há uma alternativa capaz de arrepiar caminho e (re)colocar o País na rota do crescimento. A realidade e os números estarão do lado do PSD ou obrigá-lo-á a mudar de estratégia e de liderança?
Maior dificuldade: Passar a mensagem
Os sociais-democratas ainda têm de demonstrar que conseguem ultrapassar o trauma de ter ganho eleições e não estar a governar; e que são capazes de fazer uma oposição de que vá além do discurso do arauto da desgraça que aí vem.
Surpresa: Mudança de governo – no País ou no PSD
Com o PS, BE e PCP a garantir que a coligação está estável, coesa e duradoura e Belém a exigir estabilidade, as legislativas antecipadas seriam surpreendentes, mas não impossíveis. Tal como seria surpreendente a afirmação de uma oposição interna e de um candidato disposto a disputar, de facto, o lugar de Passos Coelho.
Protagonistas: Passos Coelho, que não deixa de ser candidato a primeiro-ministro, partilhará o protagonismo – no Parlamento e no partido – com o líder da bancada, Luís Montenegro. Carlos Carreiras, coordenador autárquico do PSD, também estará em destaque. Conseguirá ele oferecer a Passos uma vitória autárquica e devolver ao PSD a liderança da Associação de Municípios?
A mudança compensa?
Principais desafios: Passar a mensagem sem ser mensageiro da desgraça
O CDS quer assumir-se como uma “oposição constante, firme e construtiva ao Governo das esquerdas unidas”. Mas, convictos de que a Economia e as Finanças vão demonstrar que o crescimento económico, a execução orçamental e a credibilidade internacional prometidas por António Costa não se irão concretizar, os centristas ainda terão de descobrir a fórmula de o demonstrar aos portugueses, sem cair no “discurso do abutre”.
Para um partido sem grande implantação autárquica, as eleições locais de 2017 também merecem ser preparadas, “com arrojo e ambição”. O CDS conseguiu conquistar cinco câmaras, em 2013. Conseguirá mantê-las? E engrossar a lista?
Maior trunfo: A nova liderança
Assunção Cristas substituiu o experiente Paulo Portas e logo se quis assumir como alternativa a um PS preso pela geringonça e a um PSD preso pelo passado. Apesar da sua passagem pelo governo de Passos, Cristas apresenta-se como a mudança sensata, a safe pair of hands (um par de mãos seguras), como lhe chamou Portas na hora da despedida. A mudança já fez com que a direção de Portas fosse reforçada com novos militantes e independentes. Mas que impacto terá ela nas urnas?
Maior dificuldade: A falta que o PCP e o BE fazem, na oposição
O “discurso fantasioso do Governo” e o terreno autárquico difícil são, para o CDS, os obstáculos mais difíceis de ultrapassar. E o facto de este Governo não ser alvo do desgaste com que a extrema esquerda costuma lidar com os governos (quaisquer que eles sejam) não ajudam. Se, ao menos, esse desgaste pudesse ser substituído pelo desgaste imposto pelo PSD e pelo CDS… Mas – pelo estilo, pelo ideário, por falta de experiência – não pode.
Protagonistas: Assunção Cristas é uma cara nova, com todos os prós e os contras que a mudança traz. Mas a ajudá-la, tem a equipa que vem de trás, com Nuno Magalhães no Parlamento e Diogo Feio no Gabinete de Estudos).