Jorge Silva Carvalho, ex-diretor do Serviço de Informações Estratégicas de Defesa (SIED) e principal arguido do processo das Secretas, continua a insistir que sem o levantamento do segredo de Estado não vai conseguir exercer todos os seus direitos de defesa, não podendo explicar porque fez o que fez e quais eram as práticas habituais dentro das secretas portuguesas. E desta vez avançou mesmo com uma ação contra o primeiro-ministro junto do Supremo Tribunal Administrativo, por António Costa ter decidido em abril deste ano que o ex-espião não poderia desvincular-se da maior parte das matérias sujeitas a segredo de Estado. Silva Carvalho argumenta que o primeiro-ministro tomou uma decisão ilegal, tendo por base um parecer igualmente ilegal.
O ex-espião que está a ser julgado por crimes de corrupção, abuso de poder, acesso ilegítimo a dados pessoais e violação do segredo de Estado argumenta que, segundo a lei, a única entidade que poderia emitir um parecer sobre o seu pedido de levantamento daquele segredo era o Conselho Superior de Informações, “o órgão interministerial de consulta e coordenação em matéria de informações”, constituído por vice-primeiro-ministros, ministros de Estado e da Presidência, ministros da Defesa, da Administração Interna, da Justiça, dos Negócios Estrangeiros e das Finanças, pelos presidentes dos governos regionais dos Açores e da Madeira, o chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas, o secretário-geral do Sistema de Informações da República e dois deputados designados pela Assembleia da República.
Mas quem o fez foi o próprio Sistema de Informações da República Pública (SIRP), através de um parecer assinado pela chefe de gabinete de Júlio Pereira. “O secretário-geral do SIRP, ou qualquer seu subordinado hierárquico, como a sua chefe de gabinete, segundo a lei em vigor não tem competência para emitir pareceres” sobre o levantamento de informações e documentos sujeitos a segredo de Estado, diz a ação a que a VISÃO teve acesso, e que conclui que o primeiro-ministro se baseou “num parecer viciado de incompetência e legalmente inadmissível”.
Além de não ter competência para emitir pareceres, a defesa de Silva Carvalho questiona: onde fica o dever de imparcialidade a que está sujeita a administração pública, quando um parecer é emitido por parte interessada na manutenção do segredo de Estado sobre os próprios serviços que tutela? “O parecer do SIRP olhou apenas ao seu interesse” e “ninguém pode ser juiz em causa própria”, argumenta o ex-espião. “Não pode ser o SIRP a definir quais os elementos [que Silva Carvalho] pode, ou não pode, utilizar para demonstrar a sua inocência” pois “não é admissível que seja o próprio órgão a quem o segredo de Estado beneficia e protege” e que “tem interesse próprio na sua manutenção” a tomar decisões desta natureza. “Aos olhos do legislador”, continua a ação, os pareceres e as informações em matéria de segredo de Estado “devem provir de um órgão plural”: “Se apenas fosse dada a voz ao interessado na manutenção do segredo de Estado (por exemplo, o SIRP) – situação que o legislador recusou -,sempre que tal levantamento não tivesse como objetivo beneficiar/proteger o próprio órgão a favor de quem o segredo foi estabelecido, então dificilmente haveria levantamento do segredo. (…) É que, a ser apenas o órgão interessado na manutenção do segredo aquele que vai decidir sobre se o segredo pode, ou não, ser levantado, é evidente que o mesmo nunca permitirá o seu levantamento, porque prefere – obviamente – a manutenção dessa prerrogativa que lhe é favorável.”
A defesa do ex-diretor do SIED ataca ainda a fundamentação do parecer, classificando-a de “insuficiente” e “insindicável”, e contrária à vontade do tribunal que conduz o julgamento das Secretas. O parecer ter-se-á limitado a argumentar que o levantamento do segredo de Estado “exporia o modus operandi das diversas unidades do serviço, fragilizando-o em termos de segurança perante terceiros” e que tal acesso “seria demasiado intrusivo e revelador da preparação e formação ministrada aos oficiais de informações do SIS e do SIED”. Silva Carvalho diz que essa explicação não chega quando o objetivo do pedido do levantamento do segredo de Estado era precisamente o de “se perceber o modus operandi das unidades do serviço” para que pudesse comprovar que “agiu ao abrigo e no estrito cumprimento daquilo que lhe era imposto pelo Manual de Procedimentos do SIS” e pelas formações que eram ministradas nos serviços.
Devido a este parecer, o primeiro-ministro recusou o acesso do tribunal ao Manual de Procedimentos do SIS (foram apenas cedidas algumas páginas), aos módulos de formação em vigor nos serviços, a documentos sobre o Porto de Astakos e a material relativo à Fonte Panda.
Jorge Silva Carvalho também terá tentado pedir um parecer à Entidade Fiscalizadora do Segredo de Estado, que funcionaria junto da Assembleia da República e com membros eleitos pela mesma. Sem sucesso. A Assembleia respondeu que os membros daquela entidade ainda tinham sido eleitos, e que se aguardava que a Conferência de Líderes fixasse, para breve, a respetiva eleição.
A leitura do acórdão do processo das Secretas está agendada para 19 de setembro