Com o PS à sua frente, representado em quase mil delegados do 21º Congresso que se reúne esta semana em Lisboa, António Costa quis “prestar contas” da geringonça que lhe sustenta o Governo desde novembro de 2015. E mais, quis ratificar no órgão máximo do PS, o congresso, a solução inédita que construiu para a liderança do país.
“Sem tabus e equívocos”, lembrou que o acordo com PCP, BE e Verdes estará neste congresso novamente a votos no PS, porque é parte “inequívoca” da moção que já o elegeu secretário-geral do partido. A partir daí terá o selo máximo dos socialitas e a prova de que a esmagadora maioria do partido concorda com ela.
Costa trazia debaixo do braço o programa eleitoral do partido e agitou-o no ar para garantir que o que ali estava escrito “foi pensado e estudado e não está nas palavras que o vento leva”.
Seis meses depois de ter chegado ao Governo assente na tal “geringonça” de que muitos, mesmo dentro do PS, desconfiaram, Costa quis mostrar trabalho feito. Porque acredita que mostrou que havia de facto “alternativa”, mesmo à senhora que numa rua de Viseu em campanha eleitoral lhe disse que acreditava no que o PS prometia, mas “tinha medo que não fosse possível fazer”.
E lembrou que já pensava nesta solução da esquerda, quando no Congresso do final de 2014 rejeitou o “arco da governação” e a ideia de que existiam partidos que não podiam aceder ao poder. Leu, inclusive, excertos do seu discurso naquele mesmo congresso do PS em novembro de 2014, na mesma sala da FIL. Porque essa era a única forma, acrescentou, de deixar de ter um PS refém da direita sempre que não conseguisse a maioria absoluta. Foi por isso que diz que sempre assumiu que governaria com as condições que os portugueses lhe dessem, mesmo que isso significasse entender-se com os partidos da esquerda, como acabou por acontecer.
Aproveitou também a reunião socialista para lembrar o que já fez em seis meses de Governo. A reversão da privatização da TAP, a revogação da “humilhação” que a direita quis impor às mulheres com as taxas no aborto, as medidas de simplificação para as empresas, a aceleração da execução dos fundos comunitários, a formação para adultos, a reabilitação urbana. Mas não resistiu a vestir a veste de primeiro-ministro no conclave onde é líder dos socialistas, para anunciar que na próxima quarta-feira o Conselho de Ministros aprovará o Fundo da Reabilitação Urbana que injetará mil milhões de euros no sector, anunciou o primeiro-ministro. E numa mistura de papéis, trazia outra promessa governativa: a tal baixa no IVA da restauração que prometeu à esquerda, mas que ainda não saiu do papel das intenções. Costa diz que vai mesmo avançar, porque “aí teremos mais emprego a criar” no sector da restauração.
E com a voz grossa, não hesitou a falar duro para a Europa. Lembrando o corte das pensões que a direita se tinha “comprometido a fazer”, Costa assumiu que se tinha prometido que não o faria, não o fez: “doa a Bruxelas o que doer”.
E porque é importante que o partido não se “desvitalize” e que o trabalho não se esgote no Governo, pediu empenhamento nas autárquicas. Eleições marcadas para 2017 em que assumiu que estará em campos opostos a BE e PCP, que o apoiam em São Bento. Mas citando Jerónimo de Sousa, “que o disse com graça”, não haverá “pacto, nem agressão” nessa disputa.
António Arnaut será presidente honorário
A sala já estava composta quando Costa falou perto das 22h30 e levantou-se em peso quando invocou figuras importantes do PS que morreram há pouco tempo. Almeida Santos ou Maria Barroso, recordou. E voltou a levantar-se para aplaudir a primeira novidade deste Congresso: a proposta de António Costa de que o partido volte a eleger um presidente honorário. Será António Arnaut, o fundador do Serviço Nacional de Saúde e do PS.
Uma sala bem mais cheia do que aquela que aguardou mais de meia hora para lá do tempo marcado que os trabalhos se iniciassem. António Costa teve que aguardar, mais do que o previsto, atrás do mega palco azul e branco que em letras garrafais ostentava o slogan “Prometemos, Cumprimos”. Ao jeito de “palavra dada, palavra honrada” que tem celebrizado em cada debate quinzenal na Assembleia da República.
Passava já das 21h30 quando a luz da sala desce e nos três ecrãs aparecem imagens de Mário Soares e a sua voz a chegar a Portugal depois da revolução de 1974.
O pai do PS é a figura central do vídeo. Soares não está. Faz parte da Comissão de Honra, mas a saúde frágil já não permite a participação nestes eventos. Mas não é o único que falta na mesa daqueles que Costa convidou. António Vitorino ou Maria de Belém não passaram esta sexta-feira pela FIL, onde decorre o Congresso.
Os primeiros a falar foram os homens de Costa em Lisboa: Marcos Perestrello, presidente da Federação da Área Urbana de Lisboa e Duarte Cordeiro, da concelhia da capital. Uniram o tom para pedir ao primeiro-ministro, que ali estava como secretário-geral, que o Governo não tenha medo de ceder competências da administração central no processo de mudança que será feito nas Áreas Metropolitanas de Lisboa e Porto. E Cordeiro até brincou com a escolha de Lisboa para receber o 21º congresso do PS. Disse acreditar que era um reconhecimento de Costa ao trabalho feito pelos seus delfins na capital que deixou para chegar a São Bento: Fernando Medina, como presidente da Câmara, e ele próprio, Duarte, como vereador.