Pedro Passos Coelho já não é chefe do Governo e a primeira vítima dessa sua nova não-condição é um companheiro de partido. Marco António Costa cedeu-lhe o gabinete que ocupava na sede do PSD e foi ‘realojado’ no mesmo piso e no mesmo corredor. Enquanto Passos esteve no executivo, Marco assumiu as rédeas do partido e instalou-se, com a devida autorização, na sala de trabalho do líder do PSD. Agora, o vice-presidente e porta-voz do PSD devolveu-a ao dono.
No Parlamento, a necessidade de haver um gabinete individual para o presidente dos sociais-democratas também provocou danos colaterais: uma sala de reuniões teve de ser transformada em escritório (Portas foi das primeiras pessoas a serem lá recebidas). E, na primeira fila do plenário, abriu-se um lugar à direita de Luís Montenegro, líder da bancada, para Passos.
Nunca antes um chefe de governo demitido por uma moção de rejeição retomou o seu lugar na Assembleia da República. Com Passos, vêm 11 ministros (entre os quais o número dois do governo, Paulo Portas) e oito secretários de Estado. As outras três dezenas de ex-governantes voltaram às suas vidas anteriores, reintegrando-se, na sua maioria, em escritórios de advogados, universidades, institutos, empresas e autarquias.
Do lado do CDS, os danos colaterais foram mais suaves. No Parlamento, como no partido, não houve despejos nem realojamentos. Paulo Portas também se sentou na primeira fila, mas não terá lugar fixo, podendo sentar-se até na coxia (como aconteceu no dia do debate do programa do Governo). Também não pediu gabinete. Afinal, o seu quartel-general manter-se-á no Largo do Caldas, onde conservou a sua sala durante a travessia do governo.
Foi por isso que, quando a questão do gabinete se colocou, Portas não lhe deu muita importância. O líder da bancada, Nuno Magalhães, cedeu-lhe a sua sala, num dos corredores nobres do Palácio de São Bento, mas não aceitou. Ficou definido que, sempre que necessário, usará o gabinete de Magalhães. De resto, e sem complexos, instalar-se-á na sala de reuniões do grupo parlamentar.
Depois de terem dado corpo ao governo mais curto da história (27 dias), Pedro Passos Coelho e Paulo Portas encarnam agora o papel de líderes da oposição. Saiba que planos têm para seguir em frente, ora juntos ora separados.
A coligação Portugal à Frente já não existe, mas a palavra de ordem é não desperdiçar o esforço dos últimos quatro anos. “No Parlamento, os dois partidos mantiveram um relacionamento estreito e de grande colaboração, é natural que continuem a conciliar ideias e propostas”, assume Hugo Soares, vice-presidente da bancada do PSD com o pelouro da coordenação do plenário. “Continuará a haver uma visão comum sobre o projeto político, mas também haverá autonomia e independência. O PSD não deixará de fazer o seu caminho mais ao centro e o CDS mais à direita”, acrescenta Virgílio Macedo, deputado e líder do PSD Porto.
E a continuidade dos líderes parlamentares, segundo Nuno Magalhães, não é ‘‘inocente’’. Durante quatro anos, a relação entre Luís Montenegro e Nuno Magalhães consolidou-se e deixou raízes para o futuro que entretanto chegou. ‘‘Juntos somos uma dificuldade para o Governo. O PS bem gostaria de ter um PSD e um CDS desavindos’’, diz Telmo Correia, vice-presidente da bancada do CDS.
Já depois de terem visto chumbar a sua moção de rejeição ao Governo, os dois partidos concertaram-se para entregar um projeto de lei único sobre o código penal. Não precisavam de o fazer, mas quiseram dar sinais de coesão. E mais serão dados. Todas as propostas em preparação até ao final do ano (uma sobre economia social, outra acerca da pensão social por invalidez e outra relativa à proteção de idosos) serão produto de trabalho conjunto.
‘‘O programa do Governo é o que vai definir a atuação dos dois partidos no Parlamento’’, garante o deputado centrista João Rebelo.
Em consonância com a estratégia delineada para as bancadas, Pedro e Paulo apostarão em dois estilos distintos: o primeiro mais sóbrio, o segundo mais aguerrido; um professoral e analítico, o outro profissional dos sound bytes; Passos com a mais-valia de ter um grupo parlamentar maior, Portas com mais habilidade e experiência na oposição. Juntos na reconquista do poder, mas complementares.
Objetivo: junho de 2017
Mas não é só em matérias da AR que o PSD e o CDS vão andar de mãos dadas. No capítulo das presidenciais, a ideia é virem a apoiar o mesmo candidato. Essa é, aliás, uma das suas prioridades políticas. Passos reúne-se amanhã, dia 11, com o Conselho Nacional do PSD, no Hotel Sana, para definir o apoio a Marcelo Rebelo de Sousa, coisa que o CDS também deverá fechar nos próximos dias.
Outro assunto que o ex-primeiro-ministro tem em mãos é o congresso do PSD e a eleição do novo líder, cujas datas deverão ser fixadas na mesma reunião (a proposta da direção apontará os dias 1, 2 e 3 de abril).
No caso do CDS, o próximo Conselho Nacional servirá para analisar o calendário eleitoral interno e marcar, também, um congresso ordinário para depois das presidenciais. E é nesse fórum que se deverá tornar mais clara a relação futura entre a ex-PàF. ‘‘Os congressos vão definir o rumo a seguir. A moção de estratégia aprovada há dois anos [no último conclave] e os acordos eleitorais e de governo que nos regeram até agora foram aprovados num cenário diferente’’, explica João Rebelo. Agora, remetidos à oposição, será necessário definir, com maior clareza e maior formalismo, o rumo a seguir.
Ainda não se sabe se Passos terá adversários internos nesse ato eleitoral – sentir-se-á Rui Rio (por trás de Passos na foto acima) tentado ou será demasiado cedo? Um social-democrata diz que não.
“Ninguém louco quer ir para o lugar de Passos. Isso é um não assunto.”
Provavelmente, tudo dependerá da prestação do XXI Governo. No PSD, a ideia de que haverá eleições antecipadas em 2017 não esmoreceu. “O dr. Pedro Passos Coelho ficará no Parlamento o tempo que a legislatura durar e isso depende, sobretudo, dos detentores da golden share do Governo, que são o PCP e o BE”, assume Hugo Soares, na esperança de que o mandato tenha uma duração curta. Para Telmo Correia, ‘‘tudo indica que não será uma coisa sólida’’, mas não arrisca uma data. Prefere apostar no presente, no “trabalho de oposição diploma a diploma, tema a tema, dia a dia”.
A possibilidade de haver legislativas antes de 2019 é outra das razões porque PSD e CDS querem manter acesa a chama da coligação. Porém, se o entendimento de Costa com a esquerda for dando sinais de robustez, a passagem de Passos e Portas pelo Parlamento poderá ser penosa porque ambos estarão no centro dos ataques da esquerda. Hugo Soares discorda: “O facto do primeiro-ministro regressar ao lugar para o qual foi eleito não o torna num alvo fácil da esquerda, dignifica o Parlamento e traz uma dificuldade acrescida ao Governo, porque ele é, porventura, a pessoa que melhor conhece os dossiês”, diz o também ex-líder da JSD.
Regresso a Laura
Interpelado pelos jornalistas no dia do regresso ao hemiciclo, 16 anos depois de ter sido deputado pela última vez, Passos disse encarar a sua nova vida com naturalidade. “Assumirei funções para as quais fui eleito e exercerei, também aqui, o meu papel de líder do PSD.”
Na sede do partido, de acordo com o Expresso, já há quem se queixe de estar, agora, a cumprir mais horas de trabalho, porque Passos Coelho entra logo às nove da manhã (e até aqui o dia só começava às dez). Quem não se queixa é Laura Ferreira, a mulher do ex-primeiro-ministro.
Numa recente saída em família, para assistir ao lançamento de um livro, Laura mostrou-se feliz por ter de novo o marido por perto. “Estou a gostar desta nova fase. Ter o meu marido mais tempo é muito importante”, disse a fisioterapeuta.