O primeiro grande impacto, segundo um estudo académico dos professores Pedro Nunes (IPCA) e Conceição Castro (IPP), do uso da Moção de Censura terá sido a 3 de Abril de 1987. De iniciativa do PRD (apresentada por Hermínio Martinho), e com o apoio e 134 votos a favor do PCP, do PRD, do PS, do MDP/CDE e da deputada independente Maria Santos, contra 108 votos contra (PSD, CDS e do deputado independente Oliveira e Costa e uma abstenção de Gonçalo Ribeiro Telles). A Assembleia foi dissolvida e as eleições, a 19 de Julho do mesmo ano, deram lugar à maioria absoluta do PSD: «A primeira da nossa história democrática», lembrava o professor Leston Bandeira. Até agora, esta será a primeira vez que uma moção, não de censura, mas de rejeição ao programa de governo é aprovada pela esquerda (PS, PCP e BE).
Segundo continua o professor Pedro Nunes, a Moção de Rejeição «consiste numa prática democrática que mais não é do que um mecanismo de controlo da actividade política». Hoje, pouco antes do meio-dia, Carlos César, do PS, foi primeiro a entregá-la, seguiu-se António Filipe, PCP, e o BE accionou o mecanismo por mail. Nesse preciso momento, Passos Coelho não estava no hemiciclo.
«Contrariamente à grande maioria das moções de censura e de rejeição do programa do Governo apresentadas nos últimos governos constitucionais, estamos, pela primeira vez, em presença de um discurso ideológico, que suporta a ideia de que a função de controlo age enquanto garantia da democracia, e não enquanto prática da democracia», refere Pedro Nunes à Visão. «Estamos, também, pela primeira vez, numa situação, em que o mesmo instituto de censura admite que a oposição se converta numa parte interessada na própria legislatura. Situação, aliás, muito parecida com uma figura inexistente em Portugal que é a moção de censura construtiva».
A Moção de Rejeição do Programa de Governo tem sido, dos três institutos de controlo do parlamento ao governo, a mais usada (46,4%), essencialmente à esquerda (88,4%), tendo sido o PCP, o partido (Carlos Brito por três vezes) que mais recorreu a este mecanismo.
De entre as funções de controlo e fiscalização da Assembleia da Republica (o governo é politicamente responsável perante a Assembleia) – perguntas e interpelações, inquéritos, petições, moções de censura -, a Moção de Rejeição do Programa do Governo é o «máximo instrumento sancionador da responsabilidade política»: constitui um direito exclusivo dos grupos parlamentares e a sua aprovação requer uma maioria absoluta dos Deputados em funções e provoca a demissão do Governo.
Apesar desta ser a primeira vez em que existe uma queda anunciada de um governo, em virtude de uma Moção de Rejeição, este instituto foi mais vezes utilizado do que as simples Moções de Censura. Nas últimas três décadas de atividade parlamentar, nas várias sessões legislativas, as moções ao Governo foram usados em 51 momentos: 23 vezes em forma de Moção de Censura ao Governo; 28 em forma de rejeição ao Programa de Governo. Ao contrário da Moção de Confiança: usada numas escassas nove vezes .
O PCP-PEV tem sido o campeão das moções (11 de rejeição e 8 de censura). Secundado pelo PS: 3 de censura e 6 de rejeição; e pelo Bloco, 3 de censura e 3 de rejeição. Nem o BE nem o PCP usaram, evidentemente alguma Moção de Confiança ao governo (instituto usado essencialmente à direita): PS (3), CDS PP (5) e PSD (7). Do total das Moções de Confiança, apenas uma foi rejeitada.
Ao contrário da Alemanha, da Espanha, do Japão, da Suécia, Bélgica, Itália ou Israel, não existe em Portugal a figura da Moção de Censura Construtiva (apesar de muitas vezes colocada em discussão parta futuras revisões constitucionais). Nos outros países tem-se revelado, muitas vezes, ineficaz dada a dificuldade dos partidos da oposição de se colocarem de acordo sobre um candidato alternativo à presidência do Governo.
Desde o 25 de abril já existiram governos maioritários monopartidários e de coligação; de coligação pré-eleitoral e pós-eleitoral; governos minoritários monopartidários e de coligação; governos com apoio do Presidente da República e de iniciativa do Presidente; coexistência de um governo e de um presidente da República da mesma cor política… « A atual situação é muito reveladora de um semipresidencialismo (com avidez presidencialista) que anseia patrocinar o efetivo líder do partido mais votado em coligação pré-eleitoral e que, a partir do palácio de Belém, pretende fiscalizar e substituir-se ao parlamento», remata Pedro Nunes.