Diz que caiu na Provedoria “de paraquedas”, mas descobriu que lhe dá muito gozo ajudar os cidadãos a resolverem os seus problemas com a administração. E é por isso que está disposto a aceitar novo mandato. Do relatório anual, a que a VISÃO teve acesso em primeira mão, destaca o aumento de queixas dos serviços públicos. Assume-se contra a solução “um Governo, um Presidente”, critica a falta de ação de Cavaco Silva e não afasta o cenário de rutura democrática.
Acaba de ser publicado o último relatório anual do provedor de Justiça. Quais são as principais queixas?
Em 2012, abri mais mil processos do que no ano anterior. Os direitos sociais e os direitos dos trabalhadores lideram. Há um sentimento de injustiça e a provedoria também funciona como um escape social, um desabafo.
A relação com as Finanças é a segunda grande razão de queixa dos cidadãos, depois da Segurança Social. Sim. Muitos portugueses dizem-se hoje tratados como criminosas pelo fisco. As queixas refletem esse sentimento?
Antes do fisco, o problema é, muitas vezes, do próprio legislador. E antes dele, das opções políticas. É rápida a cobrança ao cidadão, mas quando a administração fiscal comete um erro demora a restituir o dinheiro. Quando sou eu que tenho direito à restituição do que indevidamente me cobraram e levam tempo a responder, dá a sensação de que o Estado não é pessoa de bem.
Deixar de ver o Estado como ‘pessoa de bem’, põe em causa a própria democracia?
Pois… Democracia não é só pôr lá um voto de quatro em quatro anos. É também ter uma sociedade politicamente organizada, no interesse de todos. Isso justifica a existência de um Estado. Se começamos a sentir essa lassidão entre o Estado e largas franjas da sociedade, a democracia pode entrar em rutura.
Como figura pública, já sentiu essa rutura?
Estou na Função Pública há quase meio século e nunca tinha sido insultado. Até ao dia em que, à saída do Conselho de Estado, em setembro de 2012, ouvi gritar “gatuno!”.
Ficou impressionado com essa reação?
Percebi o descontentamento popular. Felizmente, em Portugal, tem sido enquadrado. Ou é espontâneo, como a manifestação de setembro, que foi uma vaga de fundo, ou enquadrado. Para o bem. Haver estruturas sindicais na base dos protestos, talvez tenha feito a diferença em relação a outros países. O descontentamento, o direito de manifestação é exercido, mas sem transbordar.
Mas a relação entre os cidadãos e o Estado piorou.
O Estado é sôfrego a arrecadar receita, tributando. Mas a dívida pública é enorme. Opta-se por reduzir as despesas do Estado. E quando se tomam essas medidas, há coisas fáceis, como cortar salários, pensões e subsídios, e coisas difíceis.
Quer isso dizer que o Governo tem escolhido o caminho fácil?
Até aqui, foi pelo caminho fácil, na medida em que privilegiou os impostos. Mas para arrecadar impostos, é preciso que a economia funcione.
Queixa-se de que o Ministério das Finanças é o que lhe dá menos ouvidos.
Distingo a relação entre os meus assessores, juristas, e a administração tributária. Com eles a cooperação é muito boa. Mas há situações que transcendem a administração e é preciso o provedor confrontar o ministro ou os secretários de Estado com alguns problemas. Aí é que há renitência, quer em cooperar, quer em acatar as posições do provedor. Também sei que se há ministério assoberbado, é o das Finanças (…).
(…)
É membro do Conselho de Estado. Como gere aí a necessária imparcialidade de um provedor?
Sem qualquer problema. Não posso divulgar o que disse no Conselho de Estado, mas tomei posições. Muitos politólogos e comentadores estranharam que o Presidente da República não tivesse voltado a convocar o Conselho de Estado.
Já devia ter convocado?
O Presidente da República é que sabe, mas deveria tomar uma posição, designadamente sendo mais pró-ativo no sentido de sentar à mesa os vários partidos e garantir estabilidade governativa.
Leia a entrevista completa na revista VISÃO desta semana