Inaugurado, há menos de uma semana, o Hospital Beatriz Ângelo, em Loures, foi o primeiro a contratar uma empresa externa para prestar serviços de imunohemoterapia, tendo escolhido a Hemovida – a mesma que trabalhava para a Clínica de Santo António, na Amadora, onde um homem levou seis transfusões com o sangue errado e acabou por morrer, em fevereiro.
Um mês antes, o Estado havia concedido autorização para o outsourcing em Loures, apesar de a Ordem dos Médicos (OM) ter emitido um parecer em sentido contrário.
Entre outros aspetos, o colégio da especialidade de imunohemoterapia da OM considera que “o exercício consistente e seguro da medicina transfusional consubstancia-se numa atividade que muito dificilmente será compatível com uma estruturação comercial de hemoterapia de componentes, nomeadamente quando geridas por sociedades com fins lucrativos, que pela sua natureza nesta área de serviços de saúde as torna redutoras e eticamente frágeis”.
Segundo a Ordem dos Médicos, o fim lucrativo só dificilmente atenderá ao principal critério de segurança e qualidade da transfusão de sangue: a minimização do recurso a ela.
O parecer da OM lembra ainda que o relatório do grupo de trabalho da reforma hospitalar admite o outsourcing em áreas como a imagiologia ou patologia clínica mas exclui a imunohemoterapia.
A Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo (ARSLVT) garantiu em e-mail enviado à VISÃO que “procedeu à avaliação da idoneidade, capacidade técnica e capacidade financeira da entidade proposta para subcontratação, tendo concluído, numa primeira análise, que todos os requisitos se encontravam reunidos, exceto o do licenciamento da empresa para o exercício desta atividade”.
Ou seja, uma luz verde final ficou condicionada a uma avaliação posterior da Autoridade dos Serviços de Sangue e Transplantação e do Instituto Português do Sangue. Após uma inspeção, a 31 de janeiro abriu-se caminho à entrada da iniciativa privada na medicina transfusional de um hospital público (se bem que o de Loures seja gerido por privados, a Espírito Santo Saúde), por um período, para já, de oito meses, após os quais o contrato deverá ser renovado.
Loures poderá, num futuro próximo, não figurar como o único hospital do Estado neste tipo de regime. A VISÃO sabe que o recurso a esta opção tem sido equacionado pela administração do Hospital de Cascais. Pelo menos até segunda-feira, 12, ainda não tinha chegado à ARSLVT qualquer pedido de autorização.
O bastonário da Ordem dos Médicos, José Manuel Silva, é cético em relação ao negócio em torno do sangue: “O lucro põe em causa a qualidade e aumenta os riscos.”
Uma vez que o sangue usado para transfusões em Portugal resulta da doação benévola dos cidadãos, o bastonário receia que os dadores, tendo a perceção de que há negócios à volta do sangue, se possam restringir na dádiva.
Essa pode ser apontada, entre várias, como uma das causas para o declínio das colheitas de sangue em Portugal, que só nos primeiros dois meses do ano registaram uma quebra superior a 18% em relação a janeiro e fevereiro de 2011.
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