A guerra tinha começado há 12 dias quando, a 9 de março, a Orquestra Sinfónica de Kiev, habitualmente composta por 65 a 70 músicos, uma formação grande, chegou em versão reduzida, cerca de uma vintena, à Praça da Independência, com os seus instrumentos musicais a postos para uma atuação.
A iniciativa, a que chamaram Free Sky (libertar o céu), foi transmitida em direto por todas as estações de televisão ucranianas, sob a batuta do maestro Herman Makarenko, “Artista pela Paz” da UNESCO, num apelo ao encerramento do espaço aéreo ucraniano.
A pouca plateia que se foi juntando no local ouviu o hino nacional da Ucrânia, bem como “Ode à Alegria”, hino da União Europeia, um poema escrito por Friedrich Schiller em 1785 e tocado no quarto movimento da Nona Sinfonia de Ludwig van Beethoven.
Aplaudido no final, o pequeno concerto que Herman Makarenko classificou com um “ato de paz”, foi também um gesto público de apoio ao presidente Volodymyr Zelensky.
Violinista da Orquestra da Ópera de Kharkiv e professora de música conceituada, Very Lytovchenko viu-se obrigada a ir para o bunker do seu prédio para escapar aos bombardeamentos. Contudo, não parou de tocar e continuou a divulgar, através do YouTube, os seus recitais, verdadeiros atos de resistência, aos quais se foram juntando, via online, mais de 90 violinistas de todo o mundo.
Há 37 anos, o músico britânico Sting gravava a canção Russians, inspirada pela Guerra Fria, sublinhando que não importa a ideologia, pois a biologia humana é sempre a mesma. O tema originalmente editado em 1985, na estreia a solo de Sting, The Dream of the Blue Turtles, “não é uma canção pró-soviética. É a favor das crianças”, esclareceu o autor.
Aos 70 anos, o músico e cantor fez uma nova versão, regravando a canção com guitarra e violoncelo de Ramiro Belgardt e produção de Martin Kierszenbaum. As receitas obtidas com esta nova versão vão reverter na totalidade para o Help Ukraine Center, um centro de armazenamento voluntário criado por empresários ucranianos, para onde ajuda humanitária e médica de todo o mundo pode ser enviada, sendo depois distribuída pelo país.
“Raramente cantei esta canção ao vivo desde que a compus, porque nunca imaginei que voltasse a ser relevante. À luz da decisão sangrenta e equivocada de um homem de invadir o seu vizinho pacífico, a canção é uma vez mais um apelo à nossa humanidade. Parem com a guerra”, apelou Sting.
Sem Roger Waters, a nova formação dos Pink Floyd, com o guitarrista e vocalista David Gilmour e o baterista Nick Mason, juntaram-se, pela primeira vez, em 28 anos, desde o último disco de originais da banda, The Division Bell (1994). Para tal acontecer, muito deve ter contribuído o facto de David Gilmour ter nora e netos ucranianos.
Além da participação do baixista Guy Pratt e do teclista Nitin Sawhney, a voz de Andriy Khlyvnyuk, vocalista do grupo ucraniano Boombox, faz-se ouvir na canção Hey Hey Rise Up, já com mais de sete milhões de visualizações no YouTube.
A canção, gravada a 30 de março, usa a voz de Andriy retirada de um post do seu Instagram, em que canta The Red Viburnum In The Meadow, na Praça Sofiyskaya, em Kiev. A canção ucraniana foi escrita durante a I Guerra Mundial e adotada em todo o mundo como bandeira de protesto contra a invasão russa da Ucrânia.
Depois de ter terminado a sua digressão pelos Estados Unidos da América, Andriy Khlyvnyuk regressou a casa, a Kiev, capital da Ucrânia para combater pela defesa do seu país.
O videoclip, realizado por Mat Whitecross, contém várias referências à Ucrânia, incluindo imagens da guerra, obras de artistas como Maria Primachenko, e mostra a banda a tocar ao vivo num celeiro. Disponível em diversos serviços de streaming, os lucros reverterão a favor do fundo Ukrainian Humanitarian Relief.
A banda hardcore Beton perguntou aos membros dos The Clash se estavam dispostos a reescrever a letra de London Calling. Um desafio aceite, cujo Kyiv Calling é o resultado. As receitas solidárias revertem para o Movimento de Resistência Ucraniana Livre.
A 17 de março, um tweet da jornalista Hanna Liubakova continha um vídeo de um homem a cantar à capela Chervona Ruta, uma canção popular ucraniana, nas escadas de uma estação de metro em Kharkiv, juntamente com moradores da cidade ucraniana, ali escondidos devido aos bombardeamentos, e o seu presidente de câmara.
Era Svyatoslav Vakarchuk, líder da banda Okean Elzy e ex-deputado, agora integrado nas Forças de Defesa Territoriais.
Doutorado em Física, o cantor, uma verdadeira rock star na Ucrânia, já conseguiu a proeza de, em 2015, bater o recorde de público num concerto na Ucrânia, enchendo o Estádio Olímpico de Kiev com 75 mil pessoas, para assinalar os 20 anos da banda de fusão folk e rock. Svyatoslav Vakarchuk, 46 anos, é o mesmo que venceu o maior prémio do concurso Quem Quer Ser Milionário, o equivalente a cerca de 30 mil euros, e os doou a orfanatos. Ativista político também fundou o partido liberal Holos (Voz), “dirigido para jovens e gente liberal”, e depois de ter conseguido eleger representantes no parlamento ucraniano, saiu do partido para voltar a dedicar-se à música. Um percurso por agora interrompido pela guerra.
Músicos portugueses, num total de 38, também dão voz ao tema Ukrayina, cantado em português, como forma de apoio ao povo ucraniano. Uma ideia do coletivo Caminhos Metálicos, que se dedica à divulgação do estilo musical heavy metal, com um dos seus fundadores, Carlos Guimarães, com mulher e família ucranianas.
A música dos Gwydion e a letra de Carlos Guimarães e Rosa Soares está disponível no YouTube e na aplicação Bandcamp e as receitas do download da música (€1) irão reverter a favor da Unicef.
U2, Bruce Springsteen, Elton John, Eddie Vedder, Ozzy Osbourne, Céline Dion, Alejandro Sanz, Red Hot Chili Peppers, 5 Seconds of Summer, Annie Lennox, Barbra Streisand, Bastille, Billie Eilish, Black Eyed Peas, Chris Isaak ou Carole King são alguns dos cantores, músicos e bandas que fizeram questão de se associar à campanha Stand Up for Ukraine, organizada pela Global Citizen, num apelo de união para apoiar a população da Ucrânia.
“Defendamos a Ucrânia e os refugiados em todo o mundo porque todos merecem condições de vida seguras e humanas”, declarou Bruce Springsteen.
“Estamos devastados ao ver o sofrimento das pessoas na Ucrânia à medida que este conflito se desenrola. Elas, e muitas mais, precisam da nossa ajuda, agora mais do que nunca. Junte-se a nós para ajudar as pessoas cujas vidas foram viradas do avesso, obrigadas a deixar tudo para trás por uma vida mais segura. Ninguém deveria ter de passar por este tipo de tragédia”, palavras de Elton John.
A interpretação acústica de Walk On, por Bono e The Edge dos U2, foi acompanhada pela declaração: “O corajoso povo ucraniano está a lutar pela sua liberdade – e pela nossa – perante uma violência indescritível e uma invasão injusta. Mais de quatro milhões de pessoas, a maioria mulheres e crianças, tiveram que fugir para salvar suas vidas, um número quase equivalente à população da Irlanda. Os líderes mundiais devem erguer-se no apoio aos ucranianos agora… Aos que ficaram para lutar e aos que fugiram… E apoiar, em qualquer parte do mundo, os que foram forçados a deixar as suas casas e as suas terras.”