Cerca de 25 obras de arte da autoria de Mariia Primachenko foram destruídas em consequência dos avanços russos na Ucrânia, segundo uma declaração do Ministério das Relações Externas publicada na rede social Twitter.
Na publicação, a artista, que morreu em 1997, é recordada pelas suas “obras de arte conhecidas mundialmente” e pelo talento que “cativou Pablo Picasso”. Prymachenko foi reconhecida pela sua contribuição ao mundo artístico em 2009, quando a Unesco dedicou o ano à artista.
A declaração do Ministério avançou ainda que as obras destruídas se encontravam no museu Ivankiv, na região de Kiev. Num vídeo publicado no Twitter por Bogdan Voron, consultor no International Crisis Group que tem seguido o conflito na Ucrânia, é possível ver o museu a arder. “Outra das perdas irreparáveis da autoridade histórico-cultural da Ucrânia é a destruição do Museu Histórico-Cultural Ivankiv pelo agressor nestes dias infernais para o nosso país”, escreveu o diretor do museu no Facebook.
O presidente e diretor executivo do J Paul Getty Trust, uma das maiores organizações culturais e filantrópicas dedicadas às artes visuais, James Cuno, alertou para os eventos que se estão a desenrolar no território ucraniano, adjetivando-os de uma “catástrofe cultural” que já destruiu “arte folclórica ucraniana preciosa” e que vem pôr em risco vários outros monumentos e obras de arte. Muitos desses monumentos são, inclusive, considerados património mundial da Unesco e representam “séculos de história do período bizantino ao barroco”, acrescenta Cuno.
Só na Ucrânia existem sete locais considerados pela Unesco património mundial, dois deles na capital Kiev já alvo de vários ataques russos. Até à data não existem, no entanto, relatos de que os dois locais tenham sido atacados.
“O património cultural material do mundo é a nossa herança comum, a identidade e uma inspiração para toda a humanidade. O património cultural tem o poder de nos unir e é fundamental para alcançar a paz”, realça a organização artística Getty num comunicado. Os ataques à identidade cultural de um povo são “frequentemente um alvo da guerra”, acrescenta, que procura, com isso, “destruir uma sociedade apagando a sua memória”.
A Getty reforçou que muito da “herança antiga” do mundo “já está a sofrer com a destruição arbitrária, roubos, negligência, superdesenvolvimento imprudente e mudanças climáticas” e pede, não só que “a nossa herança comum” seja celebrada, mas também que se trabalhe para “aumentar as proteções, fortalecer as leis internacionais e avançar em direção a uma compreensão mais estruturada das culturas do mundo e das suas contribuições para a nossa experiência compartilhada”.
Fedir Androshchuk, diretor do Museu Nacional da História da Ucrânia em Kiev, já avançou que está também, juntamente com outros dois colegas, a tentar proteger o museu no qual trabalha. “O museu está localizado no meio de uma rica área de património cultural, perto de três belas igrejas, mas também perto de alguns alvos possíveis (o serviço de segurança ucraniano e as forças de fronteira)”, escreveu o diretor num e-mail dirigido a um académico sueco, segundo o The Guardian. Androshchuk assegurou ainda que outros quatro museus ucranianos, em Vinnytsia, Zhytomyr, Sumy e Chernihiv, terão conseguido “desconstruir e proteger as suas principais exposições. Em Vinnytsia, o prédio do museu é agora parcialmente usado por pessoas deslocadas. Até agora, não ouvi dizer que nenhum dos museus mencionados tenha sido objeto de roubos ou ataques”.
Ainda assim, o diretor teme que a “herança cultural ucraniana” seja “roubada e transferida para museus russos, especialmente porque Kiev tem um lugar especial na interpretação de Putin da história russa e as suas raízes”. “Muitas descobertas feitas na Ucrânia durante o século XIX e início do século XX já estão nos dois melhores museus russos. E também há evidências de que objetos de escavações arqueológicas na Crimeia foram enviados para o Hermitage em São Petersburgo”, acrescenta.
Segundo Androshchuk, na época da União Soviética, já havia sido desenvolvido um conjunto de instruções “sobre o que os museus devem fazer em caso de conflito armado – retirar de exposição e esconder os objetos numa determinada ordem de prioridade e documentação”. O que se prova mais difícil é “fazer tudo isso com falta de tempo e recursos”, explica. “Não podes forçar os funcionários a vir trabalhar nestas circunstâncias. Muitos estão a fugir com as suas famílias. Mas estou muito orgulhoso dos meus colegas. Muitos deles vieram ao museu e ajudaram a desmontar a exposição permanente. Após esse esforço, dois arqueólogos e dois jovens historiadores, meus colegas, foram diretos para as frentes (de batalha)”.
A destruição de património cultural é uma consequência frequente de qualquer guerra, como a História já nos mostrou. Durante a II Guerra Mundial, e segundo Stuart Eizenstat, antigo assessor do Departamento de Estado dos EUA, cerca de 600 mil quadros foram roubados. Na Guerra Civil Síria, uma das mesquitas mais famosas do país foi destruída em consequência dos confrontos ocorridos na cidade de Aleppo, no norte do país. Em 1992, no decorrer do cerco de Saravejo foi destruída a Biblioteca Nacional Vijećnica que data a 1890 e no Afeganistão também os Budas de Bamiyan, duas estátuas do século VI consideradas um local sagrado, foram destruídas em 2001 pelas forças talibãs que bombearam, no curso de várias semanas, o monumento.
Como estes, existem muitos outros casos de locais, objetos e peças de arte históricas que, independentemente do valor cultural que detinham para o país, foram destruídas durante a guerra, indo, desta forma, contra a Convenção de Haia (cidade holandesa) para a Proteção da Propriedade Cultural no Evento de Conflito Armado. De facto, e de acordo com o artigo 53 do protocolo, são proibidos “quaisquer atos de hostilidade dirigidos contra monumentos históricos, obras de arte ou locais de culto que constituam património cultural ou espiritual dos povos” sob a pena de serem considerados crimes de guerra.