“Temos na Ucrânia a nossa filha, netos, irmãos e sobrinhos, que já estão nas fronteiras, no centro da guerra”. O desespero na voz de Tamara Ruska, de 71 anos, enquanto desabafa à VISÃO, é evidente. Nasceu na região de Carélia, a 70 quilómetros de São Petersburgo, na Rússia – os avós eram russos -, mas foi na Ucrânia que passou a sua juventude, onde casou há 35 anos e teve filhos com Anatol, ucraniano, de 66 anos. “Não sei como é possível irmãos meus matarem agora os meus filhos”, diz, em lágrimas, Tamara.
O casal vive há 23 anos em Portugal, mas a família, toda nascida na Ucrânia, está em Kherson, cidade portuária no sul do país, com mais de 200 mil habitantes, na fronteira com a península da Crimeia, anexada ilegalmente pela Rússia em 2014. “Tenho conseguido falar com os meus familiares, mas tivemos de desligar o WhatsApp, não podemos falar por lá. Os russos já estão na nossa cidade”, afirma Tamara, que diz que a filha, o genro e o seu neto estão “em casa, sentados em cima de malas, em pânico, sem saberem o que fazer”.
Esta quinta-feira de manhã, a Guarda de Fronteira ucraniana confirmou que os militares russos invadiram a região de Kherson e as autoridades ucranianas já afirmaram que o controlo desta região perdeu-se. A Guarda de Fronteira acrescentou ainda que as tropas russas estão a usar artilharia e armas pesadas contra unidades de fronteira nas províncias de Lugansk, Sumi, Kharkov, Chernigov e Zhitomir.
“A minha filha queria ter vindo para Portugal, mas as casas aqui são caríssimas, eu não consigo arranjar trabalho porque tenho uma prótese no joelho, o meu marido trabalhava no aeroporto mas foi despedido…”, conta. Um dos filhos do casal está em Portugal, mas Ruska diz que o objetivo futuro era regressar para a Ucrânia, para perto da família, assim que o marido conseguisse a reforma. Essa intenção fica, agora, longe da mira.
“Não dormimos desde as cinco da manhã”
Tamara Ruska pede desculpa porque, ao telefone, não consegue conter a emoção num momento destes. “Não dormimos desde as cinco da manhã, só temos chorado”, desabafa. A essa hora, passava pouco tempo desde que se tinham ouvido, em Kiev, as primeiras explosões, por volta das 3h30 portuguesas. Também em Kharkiv, no nordeste da Ucrânia, e em Odessa, repórteres testemunhavam vários sons de explosões. Antes disso, cerca das 4h da manhã, Putin tinha ordenado uma “operação militar especial” com o objetivo de “proteger Donbass”. “Quando chega Putin, tudo fica destruído. Como é que no século XXI ainda acontece isto? Ele é doido e paranoico”, acusa Tamara, que tem família na Rússia, toda anti-Putin.
De acordo com um conselheiro do Presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, pelo menos 40 soldados ucranianos e uma dezena de civis foram mortos nas primeiras horas da invasão russa à Ucrânia, esta madrugada. Oleksiy Arestovych referiu que as baixas foram provocadas pelos bombardeamentos aéreos e pelos disparos de mísseis russos ocorridos esta quinta-feira.
Em declarações aos portugueses, o primeiro-ministro, António Costa, afirmou, contudo, que “a NATO não irá intervir nem agir na Ucrânia, mas terá missões de dissuasão junto de países da NATO com fronteira com a Ucrânia”. O primeiro-ministro acrescentou ainda que Portugal, que “integra este ano as forças de ação rápida da NATO”, tem “um conjunto de elementos que estão disponibilizados para, com prontidão a cinco dias, serem lançados para essas missões de dissuasão, se for essa a decisão da NATO“.
Numa conferência de imprensa esta quinta-feira de manhã, o presidente do Conselho Europeu, Charles Michel, já afirmou que a invasão da Ucrânia é uma situação que “não se via na Europa desde o fim da II Guerra Mundial”.