Cenário 1
Kamala Harris vence, mas Trump não aceita o resultado
Ainda na noite eleitoral, em vez de telefonar à adversária para lhe dar os parabéns pela vitória, Donald Trump começa a pôr em causa os resultados, provavelmente através de publicações nas redes sociais. O objetivo é fazer com que os seus apoiantes se revoltem contra aquilo a que ele chama uma conspiração em larga escala. Segundo a organização não governamental Project Democracy, esse será o momento para Trump iniciar a terceira fase da sua estratégia: após as etapas de “enganar” e “perturbar”, chega a altura de iniciar o capítulo “negar”. E as suas “tropas” estão preparadas para isso: nas últimas semanas de campanha eleitoral, os apoiantes de Trump fizeram entrar uma enxurrada de ações judiciais a contestar regras e práticas de votação em diversos locais. Ou seja, a preparar o cenário para uma prolongada batalha jurídica, que pode adiar a publicação dos resultados eleitorais durante muito tempo.
A comunicação será focada sempre na batota feita pelos democratas, que, na sua versão, permitiram o voto a milhares de imigrantes ilegais, manipularam as urnas eletrónicas e, noutros casos, fizeram desaparecer os boletins com os votos em Trump. Será uma operação em maior escala do que a que foi tentada há quatro anos, quando os advogados de Trump apresentaram 60 ações judiciais para contestar os resultados eleitorais, mas sem sucesso.
Em 2020, o ex-Presidente também apelou às autoridades eleitorais do Arizona, do Michigan e da Geórgia para não certificarem os resultados, igualmente sem êxito. Agora, no entanto, tudo pode ser diferente, pois tem muitos dos seus apoiantes em lugares-chave para uma batalha judicial. Juízes nomeados pelos republicanos controlam, por exemplo, os tribunais superiores da Geórgia e do Arizona. Os parlamentos em estados decisivos, como os da Geórgia, do Arizona, do Wisconsin e da Carolina do Norte, também são dominados por republicanos. Se algum deles questionar os resultados, o tema poderá ser debatido no Congresso, em janeiro, desde que obtenha o voto de um quinto dos senadores (20) e da câmara dos representantes (87). A 5 de novembro, toda a câmara baixa e um terço do Senado serão também escolhidos pelos eleitores. Se os republicanos obtiverem a maioria no Congresso, Trump poderá, no limite, conseguir a anulação das eleições.
Cenário 2
A contagem de votos arrasta-se por demasiado tempo
Com uma eleição previsivelmente com resultados tão apertados em diversos estados, é bem provável que sejamos obrigados a esperar vários dias ou até semanas para saber quem ganhou. Para isso concorre o facto de muitos boletins de voto serem complicados de ler – porque incluem diversas outras eleições locais no mesmo pedaço de papel – e também de existir, ao que tudo indica, um número recorde de votos por correspondência. E, por exemplo, na Pensilvânia e no Wisconsin não se permite que os envelopes sejam abertos antes do dia das eleições, de modo a ter os boletins prontos para contagem. Na Pensilvânia, a contagem de todos os boletins pode decorrer até 19 de novembro, no Arizona até 25 de novembro e no Wisconsin o resultado só precisa de ser formalmente conhecido no primeiro dia de dezembro.
Esta espera terá uma consequência óbvia: fará aumentar as teorias da conspiração, nomeadamente por parte dos apoiantes de Trump, que aproveitam todos os momentos para lançar dúvidas sobre a legitimidade das eleições – em especial, se a contagem dos votos por correspondência operar uma reviravolta nos resultados, como sucedeu em 2020, nalguns estados ganhos por Joe Biden.
Neste cenário convém lembrar que, em 2000, no duelo entre Al Gore e George W. Bush, o segundo só foi declarado vencedor um mês depois da eleição, por decisão do Supremo Tribunal. Agora, até pode durar bem mais tempo.
Cenário 3
Donald Trump vence
O histórico recente indica que, ao contrário dos republicanos, os democratas só conseguem ganhar a eleição se também ganharem o voto popular. E, como demonstraram as eleições de 2000 e de 2016, George W. Bush e Donald Trump foram eleitos presidentes com menos votos do que Al Gore e Hillary Clinton, respetivamente. A verdade é que, na paisagem americana, os votos nas áreas urbanas, em termos estatísticos, acabam por valer menos do que os das áreas rurais. Numa eleição com um resultado tão apertado, Kamala Harris pode ainda sofrer com a dispersão do voto, nalguns estados, para a candidata do Partido Verde, Jill Stein.
Se Donald Trump vencer, o mais esperado é que, logo nessa noite, Kamala Harris discurse a reconhecer a derrota e a prometer uma oposição vigilante – em especial, se os resultados no Congresso forem favoráveis aos democratas, como é possível que suceda. No entanto, também é expectável que, em diversas cidades, muitos milhares de pessoas saiam para as ruas, em manifestações contra a eleição do homem que prometeu suspender a democracia no seu primeiro dia como Presidente, para poder tomar algumas decisões que reconhece serem ditatoriais: expulsar milhares de imigrantes, perseguir os seus oponentes internos e garantir, nas suas palavras, um “dia de libertação”.
A sua eleição deverá ser recebida com um silêncio profundo, nas primeiras horas, da maior parte dos líderes de países europeus – com exceção do seu amigo Viktor Orbán, da Hungria. E, como sinal dos tempos, o seu primeiro discurso será seguido com a mesma atenção do que aquele que, eventualmente, Elon Musk, o homem mais rico do mundo, possa também proferir nessa noite. Afinal, a concretizar-se, será uma vitória dividida pelos dois.
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