Na pátria dos direitos humanos e do marquês de Sade, as agressões sexuais têm estatísticas pouco fiáveis, embora haja um número que merece destaque: 94% das participações e queixas de violação acabam na gaveta das polícias e dos tribunais. A explicação para o fenómeno reside no facto da esmagadora maioria dos casos ocorrer num ambiente doméstico, em que vítimas e agressores se conhecem ou têm algum grau de parentesco.
Graças a Gisèle Pelicot, algo terá de mudar porque a impunidade não é aceitável. Tal como não é admissível que se fale mais do homem com quem foi casada meio século, e de quem teve três filhos, do que dela própria, nos meios de comunicação social e nas redes sociais. Em nome da dignidade da mulher que foi drogada e violada sistematicamente pelo marido, Dominique Pelicot, o tribunal de Vaucluse, Avinhão, no Sul de França, aceitou, no início deste mês, que o julgamento se realizasse de forma pública, a pedido expresso de Gisèle. Por norma, neste tipo de processos, as sessões decorrem à porta fechada, de modo a garantir a privacidade de quem foi alvo de crimes de natureza sexual, tal como prevê o artigo 306 do Código Penal francês.