A meio caminho entre Alcáçovas e Viana do Alentejo, no distrito de Évora, um monte típico da região, com casas baixinhas caiadas de branco e com rodapé azul, já não passa despercebido a quem circula na estrada e até se tornou famoso.
Mas, há pouco mais de 50 anos, no dia 09 de setembro de 1973, longe dos olhares atentos do então regime, foi lá, no Monte do Sobral, que 136 oficiais realizaram uma reunião clandestina que marcou o início do Movimento das Forças Armadas (MFA), que viria a ajudar a pôr fim à ditadura.
“Era um monte completamente isolado e muito difícil de lá chegar”, recorda à agência Lusa José Luís Cardoso, um dos militares que participaram naquela reunião e, mais tarde, advogado e governador civil de Évora.
O então capitão na Escola Prática de Artilharia, em Vendas Novas, também no distrito de Évora, conta que, na altura, foi criada uma comissão clandestina que agregava os militares descontentes com o rumo das forças armadas.
“Foi essa comissão que decidiu fazer esta reunião, algures onde o Governo não pudesse intervir”, evoca.
O também capitão Diniz de Almeida, já falecido, foi quem “arranjou o monte”, lembra José Luís Cardoso, relatando que este oficial conseguiu o espaço depois de pedir ajuda ao primo José Manuel Leitão, que era genro do rendeiro Celestino Garcia.
Com o espaço assegurado, os organizadores da reunião começaram a mobilizar jovens oficiais descontentes. José Luís Cardoso, na altura com pouco mais de 30 anos, recebeu em mão, em Vendas Novas, o mapa sobre o local e outros obtiveram-no em pontos secretos espalhados pelo país.
“Todos vieram cá ter e não houve problema nenhum. Foi bem organizado e a distribuição [do mapa] foi feita em vários sítios”, assevera.
Admitindo que na origem da insatisfação estavam decretos do então Governo sobre a carreira militar, este capitão de Abril afiança que a maioria “não queria saber para nada” dessas decisões e que a reunião sobre o tema “era apenas uma causa que mobilizava”.
“Eu era um dos beneficiados, mas fui porque não estava minimamente motivado. Estava lá por outros motivos”, assinala, afirmando rever-se no que o também capitão Vasco Lourenço disse, que “estava lá porque queria outras coisas que seriam o 25 de Abril e a mudança de regime”.
Naquele dia, segundo José Luís Cardoso, os jovens oficiais reuniram-se, discursaram em cima do atrelado de um trator e assinaram um abaixo-assinado com reivindicações.
“Ninguém falou em golpe de estado. Falou-se na barbaridade que era para as progressões nas carreiras dos oficiais da Academia Militar os decretos que o Governo tinha publicado”, assinala.
Mas estavam lançadas as bases do que viria a ser o MFA e, nos meses seguintes, sucederam-se reuniões cada vez mais ousadas: “Quanto mais força sabíamos que tínhamos, mais públicas eram as reuniões”, frisa.
Aquando do primeiro encontro no monte alentejano, num período em que reinava o medo, nem mesmo os que foram convocados sabiam quem ia e só o descobriram quando lá chegaram. E fora deste grupo o segredo foi quase absoluto.
“O rendeiro sabia e foi ele que o cedeu ao Diniz de Almeida. Era um homem de oposição ao regime e penso, agora mais tarde, que era afeto ao Partido Comunista”, refere.
Já o então proprietário do Monte do Sobral, Marco Fragoso Fernandes, como o próprio realça à Lusa, só veio a saber “umas semanas depois”. Nem nas povoações mais próximas se ouviram conversas sobre o encontro.
“Não se chegou a falar em nada, porque fizeram aquilo bem feito e não transpirou nada cá para fora”, vinca.
Fragoso Fernandes diz que, anos depois da reunião, criou no monte uma unidade de agroturismo, mas acabou por ter de vender porque “não era rentável”.
Quem o comprou, em 2019, foi Annick Chef, uma francesa que escolheu viver em Portugal por causa da segurança no país. Apaixonou-se pela propriedade, mesmo antes de conhecer a sua história.
“Eu teria comprado na mesma, mas, depois, disse a mim própria: porque não aproveitar esta história e esta oportunidade?”, recorda.
Annick comprou o monte e iniciou-se então um longo período de obras para o melhorar, porque, caso contrário, como alega, “provavelmente acabaria por se degradar cada vez mais”. Pelo meio, meteu-se ainda a pandemia.
“Houve altos e baixos, mas estamos a resistir”, sublinha a francesa, que, já no seu país, foi dona de um pequeno imóvel também histórico, mas ligado à II Guerra Mundial.
No Monte do Sobral, com nove quartos e uma sala para casamentos, batizados e eventos com capacidade para até 200 pessoas, os hóspedes podem ainda usufruir de um jardim e de piscina exterior.
“Algumas pessoas passam espontaneamente na estrada e entram para dar uma olhadela”, mas outras “vêm dormir só para estarem naquele local”, devido à sua história, nota.
Francesa, natural de Avinhão, no sul de França, Annick quer fazer mais eventos para dinamizar o monte e já pensa no próximo aniversário da primeira reunião dos Capitães de Abril, no próximo dia 09 de setembro.
Anualmente, o dia está reservado para a Associação 25 de Abril, que tenciona, nas comemorações deste ano, deixar no monte uma chaimite, viatura militar historicamente associada ao 25 de Abril.
E a proprietária gostaria também de fazer uma reconstituição da desta reunião histórica com a ajuda da população das três freguesias do concelho: Viana do Alentejo, Alcáçovas e Aguiar.
*** Sérgio Major (texto) e Nuno Veiga (vídeo), da agência Lusa ***
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