Em abril de 2016, o marido de Nadine K, como é conhecida a alemã de 37 anos, agora acusada de crimes contra a humanidade e cumplicidade em atos de genocídio, chegou à casa que ambos tinham tornado num centro de acolhimento para mulheres solteiras membros do Estado Islâmico, em Mossul, no Iraque, acompanhado de uma mulher, que passou a ser escrava. Foi, alegadamente, forçada a relações sexuais com membros do EI, obrigada a cozinhar, limpar, tratar dos animais e das filhas da arguida, além de ser espancada regularmente.
A escrava era Naveen Rasho.
Antes do Estado Islâmico, Rasho trabalhava como repórter na estação de rádio Jabal Sinjar, na cidade de Sinjar, na Síria. Inserida numa comunidade de yazidis de língua curda, em 2014, viu-se obrigada a fugir com a sua família, quando ouviram rumores de que o Estado Islâmico se aproximava da cidade. Os esforços para fugir foram em vão quando a família foi capturada no seu carro e forçada a continuar a conduzir, enquanto era rodeada por veículos com Kalashnikovs a apontar para eles.
Naveen foi separada da sua família e transportada sem destino aparente, entre o Iraque e a Síria, até à “lotaria”. Juntamente com outras raparigas foi obrigada a escrever o seu nome num pedaço de papel, colocado depois numa caixa que decidiria os seus destinos. Naveen Rasho foi “presenteada” a vários homens nos meses que se seguiram.
Foi oferecida, por último, a um homem de Damasco, que já tinha três mulheres. A mãe do seu filho primogénito, de nacionalidade alemã, é a acusada que foi julgada em Kobleuz, na Alemanha.
A alemã de 37 anos terá alegadamente integrado o Estado Islâmico durante mais de quatro anos e, de acordo com a acusação, saiu da Alemanha em dezembro de 2014, vivendo em várias regiões da Síria até se mudar para Mossul, no Iraque.
Escravizada de sol a sol, apenas com pausas para rezar, Naveen Rasho acredita que os seus captores a terão mantido na província de Idlib, no noroeste da Síria, em Mossul, no Iraque, e por fim, em Baghuz, também na Síria. Quando o califado caiu, a 8 de março de 2019, a acusada, o marido, as duas filhas e a mulher yazidi foram, detidos pelas forças curdas durante a sua fuga do último reduto do EI em Baghuz, na Síria e transportados para al-Hawl, um campo de refugiados. Terá sido nesta altura que o seu captor informou a mulher yazidi de que estava “livre”. Mas, em conversa com outros refugiados do campo, percebeu que não estava realmente livre visto que era yazidi, e, se tentasse escapar, seria morta.
Alan Duncan, antigo soldado e atualmente documentarista e voluntário dos Peshmerga curdos na guerra contra os radicais do Estado Islâmico, visitou o campo al-Hawl. O seu caminho cruzou-se com o de Naveen Rasho, que não revelou a sua identidade, mas mencionou ter conhecimento de uma rapariga yazidi presa no campo. O documentarista procurou um líder yazidi da cidade vizinha de al-Hasakah, que o poderia acompanhar para libertar a rapariga, que era Naveen.
Já a alemã, agora acusada, foi detida em 31 de março de 2022 quando tentava reentrar na Alemanha e, desde então, tem estado em prisão preventiva.
Naveen Rasho, que testemunhou no julgamento na Alemanha, enfrentando a sua antiga captora alegou
“É verdade que ela me torturou a mim, mas como rapariga yazidi, quando abusou de mim, abusou de todos os yazidis. Eles sentiram a dor quando eu estava na prisão. É importante para todos os Yazidis que um combatente do Daesh [EI]) seja colocado na prisão”.