No relatório anual sobre o estado da Justiça em Cabo Verde, referente a 2021/2022 e que será debatido este mês no parlamento, o Conselho Superior do Ministério Público (CSMP) reconhece a situação atual de morosidade processual, com “consequências nefastas para as pessoas, para a sociedade e para o desenvolvimento socioeconómico do país”.
“Os discursos dos últimos anos do Poder Legislativo, do Poder Executivo, dos sucessivos Presidentes da República e dos Conselhos Superiores das Magistraturas, traduzindo o pulsar da sociedade civil, são unânimes no foco na lentidão da justiça cabo-verdiana, o que demonstra que a Justiça é, em todas as dimensões da prática social, uma das preocupações coletivas tomada como das mais importantes. Por isso mesmo, desperta paixões e críticas, com as quais temos que saber lidar e dar resposta”, lê-se no documento.
Daí que, defendem os magistrados do Ministério Público, “não se pode esquecer também o que já se apelidou de ‘excesso de garantias de defesa’ concedidas aos arguidos, fazendo com que se consiga impugnar tudo ou quase tudo, por vezes, manifestamente sem qualquer fundamento, as chamadas manobras dilatórias, adiando assim o desfecho dos processos”.
“Se por um lado, a Constituição consagra a necessidade de celeridade processual, a lei, por vezes, “cria garantias excessivas” para os arguidos, comprometendo os resultados preconizados. Face à conjuntura atual, perante os referidos constrangimentos, não é descabido repensar uma revisão legislativa que acabe com este estado de coisas, acelerando o curso da justiça, salvaguardando, entretanto, sempre, os direitos fundamentais dos cidadãos”, refere ainda o relatório anual do CSMP.
“É que, como também alguém disse, o processo penal em democracia não existe para defender os criminosos. Existe para que qualquer cidadão possa demonstrar a sua inocência perante falsas acusações”, acrescenta.
O número de processos que chegam aos tribunais cabo-verdianos continua a crescer, voltando a registar um novo máximo, de mais de 13.500 casos, no ano judicial de 2021/2022, um aumento de 2% face ao anterior.
De acordo com dados compilados pela Lusa a partir do relatório do ano judicial (terminado em julho último), elaborado pelo Conselho (CSMJ), “entre os anos de 2015 e 2021 não houve alterações significativas no volume de processos entrados, com uma média relativamente constante de 12.203 processos entrados por ano”.
“O ponto mais alto passa a ser o ano judicial (2021/2022)”, refere o relatório, contabilizando 13.537 processos que deram entrada nos tribunais de primeira instância em Cabo Verde no último ano, sendo 5.883 (43%) de natureza cível e 7.654 (57%) de natureza criminal.
Em outubro de 2021, no anual debate na Assembleia Nacional sobre a situação da Justiça em Cabo Verde – que analisa os relatórios anuais dos conselhos superiores da Magistratura Judicial e do Ministério Público, a ministra da tutela, Joana Rosa, afirmou que a morosidade processual é o maior problema do setor, que admite só se resolver reduzindo os litígios sociais, face à elevada procura dos tribunais.
“Por mais que se faça investimentos, se não se trabalhar na redução da litigiosidade social, não haverá meios para fazer face a tanta demanda”, afirmou a ministra da Justiça.
PVJ // VM