No sábado, o presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, anunciou que, só em setembro, já tinham sido recuperados mais de 2 mil quilómetros de território ocupado pelos russos desde o início da guerra. “Nos últimos dias, o exército russo mostrou o que tem de melhor: as suas costas. Mas apesar de tudo, fugir é uma boa escolha para eles”, informou o presidente, garantindo que “toda a Donetsk será livre”. Já este domingo, Valerii Zaluzhnyi, comandante-em-chefe do exército ucraniano, disse, num comunicado, que o número tinha subido para 3 mil. “Desde o início de setembro, mais de 3 mil quilómetros quadrados retornaram ao controlo ucraniano”, garantiu.
O ministro da defesa da Ucrânia, Oleksii Reznikov, tinha dito anteriormente que os russos estavam a ficar sem opções nas linhas de frente da batalha, deixando um aviso: “As tropas russas vão fugir, e vão, acreditem, porque estamos a destruir as suas cadeias logísticas, armazéns, etc. E a questão surgirá: “E para onde devem ir?” Será como uma avalanche”, afirmou.
A Rússia já tinha confirmado a retirada das suas tropas de duas áreas da região com o nome da segunda maior cidade da Ucrânia, Kharkiv – que continua permanentemente a ser bombardeada -, resultado da contraofensiva da última semana, apesar de afirmar que tinha sido apenas com o objetivo de reagrupar os militares. Nesta região, o exército ucraniano arregaçou mangas e iniciou uma ofensiva super eficaz e inesperada: o exército russo esperava uma ofensiva ucraniana em Kherson, a sul, mas foi surpreendido com um ataque a nordeste, em Kharkiv, conseguindo recuperar, só em três dias, mais de um terço da área ocupada nesta região.
Isto foi possível devido a uma estratégia bem planeada de desinformação das forças armadas ucranianas, de acordo com o The Guardian, que avança que, desde 29 de agosto e ao longo de vários dias, o exército ucraniano partilhou informações falsas que foram difundidas por todo o mundo, pelos mais variados órgãos de comunicação, e que levou a que os russos estivessem preparados para receber o exército ucraniano em Kherson.
Começaram as “ações ofensivas em várias direções, incluindo na região de Kherson”, comunicava, a 29 de agosto, a porta-voz do comando militar ucraniano no sul do país, Natalia Humenik, acrescentando que não ia dar mais pormenores e que “qualquer operação militar” precisava de “silêncio”. O exército russo reforçou as suas tropas em Kherson, deixando a região de Kharkiv mais desprotegida, enquanto o exército ucraniano recebia dos EUA as melhores armas, fundamentais para o sucesso desta contraofensiva.
“[A Rússia] pensou que seria a sul e movimentou os equipamentos. Então, em vez de ser a sul, a ofensiva aconteceu onde menos esperavam. Entraram em pânico e fugiram”, explicou, ao The Guardian, Taras Berezovets, assessor de imprensa de uma brigada das forças especiais ucranianas. Ao New York Times, o analista Rob Lee disse que esta aparenta ser uma “uma operação combinada muito eficaz com tanques, infantaria mecanizada, forças de operações especiais, defesas aéreas, artilharia e outros sistemas”.
Os russos passam, agora, por um dos seus piores momentos desde o início da invasão, a 24 de fevereiro, depois de fracassarem a tomada de Kiev. Após Balaklia, também Kupiansk e Izium, vila e cidade estratégicas que ligam o Donbass por via férrea, foram recuperadas pelos ucranianos. Ao The Guardian, Serhiy Kuzan, especialista militar do Centro de Segurança e Cooperação da Ucrânia, explicou que a cereja no topo do bolo é, a seguir a Izium, o exército ucraniano conseguir recuperar Kupiansk, já que isso pode levar ao corte das linhas de “abastecimento dos militares russos” que detêm essa área.
Já num comunicado em vídeo, Zelensky felicitou as “fortes” cidades de Dnipro, a quarta maior cidade do país, e Lyman, na região de Donetsk, recuperadas pelos ucranianos, acrescentando que “Lyman ainda espera” a bandeira ucraniana, mas que “é inevitável”, já que a “Ucrânia regressa sempre“.
De acordo com Kuzan, esta ação militar foi realizada “à velocidade da luz”, o que gerou uma grande pressão para as forças militares russas, tanto a norte como a sul da Ucrânia. Este sábado, durante o Fórum Internacional anual Yalta European Strategy, Zelensky disse acreditar que, este inverno, haverá uma “rápida desocupação” do país, já que as tropas russas estão “a fugir em várias direções”. “Para isso, o nosso exército necessita de um fornecimento sistemático dos tipos de armas necessários”, afirmou ainda. Kuzan defende o mesmo. “A única vantagem que [as tropas russas] têm está no número de peças da artilharia e equipamento pesado. Logo, tudo o que precisamos é a mesma quantidade de armamento”.
Para o analista australiano Mick Ryan, do Center for Strategic and International Studies, “os historiadores do futuro poderão ver isto como um importante ponto de viragem. Isto significa que os ucranianos não só conseguem lutar como e onde querem, como os seus soldados lutam sabendo que os russos estão em desvantagem”, comentou, na sua conta de Twitter.
Necessárias “mudanças imediatas” do lado russo
Nos últimos dias, autarcas de Smolninsky, em São Petersburgo, na Rússia, pediram para Putin ser acusado de traição. Outros autarcas de Lomonosovsky, em Moscovo, disseram que o líder russo devia demitir-se e este domingo, o líder checheno Ramzan Kadyrov, um dos maiores apoiantes de Putin, fez várias críticas à estratégia adotada pela Rússia na Ucrânia, pedindo “mudanças imediatas”. “Se não houver mudanças na forma como a operação especial está a ser conduzida… serei obrigado a contactar a liderança do país para lhes explicar qual é a situação no terreno – é muito interessante, impressionante“, afirmou Kadyrov, citado pela BBC Russia.
NoTwitter, o professor doutorado em Ciência Política e Relações Internacionais Miguel Monjardino referiu que a Ucrânia está a “levar a cabo a maior contraofensiva na Europa desde 1945” e que “se esta situação não for alterada nos próximos dias ou semanas por Putin e pelas unidades militares, as teorias de conspiração da extrema-direita russa contra Putin e a liderança militar florescerão e começarão a criar um problema político ao Kremlin”. Só o tempo nos mostrará como serão os próximos capítulos desta guerra.