As condições económicas no Afeganistão pioraram drasticamente desde agosto, mês em que as forças militares norte-americanas abandonaram o território afegão e os talibãs assumiram o controlo do país. Milhares de milhões de dólares em ativos bancários foram congelados, os bancos ficaram sem dinheiro e há famílias sem vencimento há meses. Mais de metade dos cerca de 39 milhões de afegãos sofrerá, de acordo com um relatório do “Integrated Food Security Phase Classification” (IPC), condições de fome extrema em março, devido à insegurança na distribuição e acesso aos alimentos. Mesmo antes de os talibãs assumirem o controlo do território, a fome já era uma realidade num país empobrecido e em convulsão política e social. As famílias têm procurado sustento até às últimas custas, o que inclui a venda das meninas para casamentos forçados, em troca de bens.
Este foi o caso de Parwana Malik, a noiva de 9 anos vendida pelos seus pais a troco de dinheiro destinado ao sustento da família. A CNN noticiou o caso no passado mês, revelando declarações do pai da menina. Abdul Malik contava, na altura, que Parwana tinha chorado o dia e a noite inteira antes da sua venda, suplicando-lhe que não a vendesse e dizendo que só queria ir à escola e prosseguir os seus estudos. O impacto mediático da história não tardou e as suas repercussões salvaram a rapariga de um indesejado casamento infantil: a comunidade revoltou-se contra o comprador e a rapariga acabou por ser devolvida ao seu lar.
A ONG norte-americana “Too Young to Wed” (demasiado nova para casar, na tradução) desempenhou um importante papel no realojamento da Parwana e de outras raparigas e das suas famílias numa casa segura. A menina saiu do acampamento, onde passou a viver depois da troca, no nordeste do Afeganistão ao colo da sua mãe, coberta por uma manta. No momento em que era resgatada , Parwana mostrava-se “muito feliz”. “Livraram-me do meu marido e o meu marido era velho”, explica.
A venda a um homem de 55 anos ocorreu no dia 24 de outubro e a CNN teve permissão para filmar em exclusivo a troca de Parwana por dinheiro, ovelhas e terrenos avaliados em 2.200 dólares americanos. “O meu pai vendeu-me porque não temos pão, arroz e chão”, disse a menina na altura. Reza Gul, a mãe, lembra que, durante as visitas que a família pode fazer ao acampamento, a menina suplicava por um retorno a casa: “Ela contou-me que lhe batiam e que não queria lá ficar.” Agora a salvo, a rapariga conta em primeira mão os maus tratos a que foi sujeita: “Eles tratavam-me mal. Amaldiçoavam-me. Acordavam-me cedo e punham-me a trabalhar”. Qorban, o comprador, foi forçado a esconder-se depois da repercussão mediática da história e a CNN não o conseguiu posteriormente contactar. O pai da menina ainda deve o valor total ao comprador, já que usou o dinheiro da troca para saldar outras dívidas.
Resgatada e alojada num pequeno hotel com a sua mãe e irmãos em Herat, a terceira maior cidade do Afeganistão, Parwana revelou estar feliz nesta nova casa. “Deram-me uma nova vida”. E a mãe concorda: “As crianças estão a comer bem desde que viemos, estamos finalmente bem.” A família foi depois transferida pela equipa da “Too Young to Wed” (TYTW) para uma casa segura onde todos estão agora instalados e passarão aí os meses frios do inverno que se avizinha. A organização vai continuar a providenciar o apoio necessário, mas até quando não se sabe. O alojamento da família, a longo prazo, estará sempre dependente de financiamento externo, mas Stephanie Sinclair, da TYTW, reitera que é “um imperativo moral sobre a comunidade internacional não abandonar as mulheres e raparigas do Afeganistão.
O Afeganistão está na última posição do ranking 2021 Women, Peace and Security Index no que respeita às condições das mulheres. Desde a tomada do poder pelos talibãs, muitos dos direitos adquiridos pelas mulheres nas passadas décadas sofreram uma drástica regressão. Mesmo apesar do casamento antes dos 15 anos ser ilegal a nível nacional, tem sido uma prática recorrente sobretudo nas áreas rurais mais remotas do país. E desde agosto a situação tem vindo a deteriorar-se, explica Mahbouba Seraj, ativista dos direitos das mulheres: “As raparigas afegãs estão a tornar-se no preço da comida. Sem isso, as suas famílias vão passar fome. Muitas raparigas têm filhos precocemente e acabam por morrer durante o trabalho de parto, os seus corpos simplesmente não aguentam.”