Quando era miúdo, nos anos 30 do século passado, Gabriel García Márquez adorava ouvir as histórias que o seu avó Nicolás lhe contava sobre as desventuras político-militares da Colômbia e a forma como os “gringos” e uma multinacional dos EUA – a United Fruit Company – se apoderaram da América Latina. Nesses seus tempos de infância, o futuro autor de Cem Anos de Solidão e Nobel da Literatura aprendeu que a “Compañia Frutera” controlava mais de 90% do mercado mundial de bananas e montara um império empresarial que lhe permitia pôr e dispor dos governos hondurenho, colombiano, cubano e afins. Ou seja, ficou a saber por que motivo o seu país era uma “república bananera” e retirou daí a grande lição que o avó lhe transmitira: “A dignidade não se come, mas também não se pode viver sem ela.”
Insanidades guatemaltecas
Nos dias que correm, milhões de latino-americanos parecem dispostos a seguir os ensinamentos do coronel Nicolás Ricardo Márquez Mejía. Seja em Cuba, no Brasil, na Colômbia e no Haiti, independentemente dos motivos que inspiram os protestos em cada um deles. A Guatemala consegue até ser um (mau) exemplo de realismo mágico e insanidade política à custa do seu Presidente, Alejandro Giammattei, que decidiu, a 14 de julho, impor um “Estado de Prevenção”, durante duas semanas, para impedir quaisquer manifestações, silenciar todos os que o contestam e evitar greves. Este governante populista e ultraconservador, eleito de forma polémica no verão de 2019, cumpre à risca a cartilha dos velhos caudilhos da região e alega ser seu dever “proteger a população” da pandemia e dos “radicais” que conspiram para o depor. Como se pode imaginar, a oposição, incluindo várias organizações sindicais e representativas das comunidades indígenas, preparam já uma campanha a exigir a demissão de Giammattei e respetivo governo, acusados de incompetência, de corrupção e de apostarem na militarização das estruturas do Estado para se perpetuarem no poder. Se, nos últimos nove meses, as manifestações têm sido uma constante e incluíram uma invasão do Parlamento, estão agora reunidas as condições para o agravamento das tensões neste país que integra o chamado Triângulo do Norte (a par das Honduras e de El Salvador), onde mais de 350 mil pessoas por ano emigram (rumo aos EUA) para escapar à pobreza, à violência e ao narcotráfico. Não é por acaso que a Administração de Joe Biden e, em particular, a vice-presidente, Kamala Harris, andam há várias semanas desconcertados com o que se passa na América Latina e se multiplicam em apelos para conter o novo êxodo. Só em junho, registaram-se 188 mil detenções na fronteira sul dos EUA, um número sem precedentes no que à imigração ilegal diz respeito e que pode obrigar a Casa Branca a acelerar os seus planos para injetar quatro mil milhões de dólares (quase 3 400 milhões de euros) na América Central, para combater a atual crise social, política e sanitária.