Em junho de 2016, 52% dos britânicos votaram a favor de o Reino Unido abandonar a União Europeia – estava consagrada a aprovação do famoso Brexit. No entanto, ao longo de quatro longos anos, este processo de saída tem sido marcado por constantes impasses, tanto a nível interno, com mudanças de Governo no Reino Unido, como a nível externo, nas relações tensas com as instituições europeias. Perante este cenário confuso, cabe clarificar algumas questões sobre o processo do Brexit e o que podemos esperar no futuro das relações entre as duas partes.
O Reino Unido já saiu da União Europeia?
A 31 de janeiro de 2020, a saída do Reino Unido da União Europeia foi oficializada, graças à ratificação do acordo com de saída pelo Parlamento Britânico. Esta aprovação do acordo abriu um “período de transição”, de forma a permitir que o Reino Unido e a União Europeia negociassem a sua relação futur, em particular, no que toca às trocas comerciais e à circulação de pessoas entre os estados-membros e as terras de Sua Majestade.
No entanto, ao longo deste período de transição, os britânicos continuam vinculados à lei da União Europeia, apesar de já não fazerem parte dos seus órgãos institucionais. A desvinculação total está marcada para 31 de dezembro de 2020, o dia limite para negociar os termos de saída. Até lá, os britânicos encontram-se neste “regime misto”, em que já estão oficialmente fora da União mas continuam vinculados às suas regras.
Qual é o ponto atual das negociações?
Ao longo dos últimos 11 meses, o Reino Unido e a União Europeia têm tentado negociar os termos de saída dos britânicos. No entanto, as duas partes estão a ter dificuldades em chegar a um acordo em determinadas áreas fulcrais, nomeadamente quanto aos direitos de pesca, à garantia de “condições equitativas” nos subsídios e regulações governamentais e à forma de implementação de acordos no futuro.
Com pouco mais de duas semanas para atingir o prazo limite de 31 de janeiro, as duas partes entraram em negociações intensas durante os últimos dias. A 9 de dezembro, a Presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, e o primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, organizaram um jantar de negociações em Bruxelas para tentar salvar o acordo, sem sucesso. Nas palavras de von der Leyen, “tivemos a oportunidade de perceber com clareza as posições de cada um. Elas continuam distantes.” Por sua vez, Boris Johnson afirmou que “ainda há grandes diferenças entre os dois lados”.
No entanto, as partes ainda não deitaram a toalha ao chão. Apesar de inicialmente terem definido domingo, 13 de dezembro, como limite para chegar a um acordo, os líderes emitiram um comunicado conjunto neste mesmo dia a afirmar que “as negociações continuarão em Bruxelas” e que se comprometem a “fazer um último esforço para continuar as conversas e avaliar se será possível chegar a um acordo nesta fase tardia.” Ainda parece existir uma possibilidade de sucesso nas negociações entre as duas partes – mas torna-se mais difícil a cada dia que passa.
Porque é que as pescas são um entrave ao acordo?
Esta é uma questão relativamente menos relevante do ponto de vista económico para o Reino Unido e para a União Europeia, em comparação com outras questões tratadas no acordo – de acordo com o New York Times, a cadeia de lojas Harrods contribui mais para a economia britânica do que as pescas. No entanto, é uma indústria importante a nível político, uma vez que está ligada simbolicamente ao ideal do Brexit de “reclamar de volta a soberania do Reino Unido”, o que inclui as águas britânicas.
Por outro lado, a culpa deste impasse não pertence inteiramente aos britânicos. O negócio das pescas também representa uma indústria política e simbolicamente importante noutros Estados-Membros da União Europeia, que pretendem manter o acesso às águas britânicas. Neste sentido, o Presidente de França, Emmanuel Macron, tem insistido que não irá sacrificar a indústria das pescas francesa em qualquer acordo e que os moldes de partilha das águas se devem manter como estão.
E quais são os outros entraves?
Fora as pescas, há outras duas grandes barreiras: a forma de implementação de acordos europeus e as “condições equitativas” exigidas em subsídios e regulamentações governamentais.
Quanto à primeira, os dois lados têm enfrentado sérias dificuldades em encontrar um consenso, em particular no que toca à implementação de sanções por não cumprimento dos acordos, como a imposição de taxas em certos bens no caso de uma das partes violar um acordo. Este é um tema particularmente sensível para a União Europeia, uma vez que existe um forte receio de que o Reino Unido não cumpra os seus compromissos graças ao “trauma” das negociações do Brexit, que envolveram uma série de ameaças de violação do acordo da parte de Boris Johnson.
À dificuldade em encontrar terreno comum nesta questão, acresce-se o problema das “condições equitativas” na entrega de subsídios e regulamentações governamentais. Neste caso, a União Europeia insiste que, se o Reino Unido quer ter um acesso sem taxas ao Mercado Único Europeu, não pode violar as regras europeias ao entregar subsídios a determinadas indústrias e negócios nacionais, uma vez que as colocaria numa posição de vantagem injusta perante outras empresas pertencentes a outros países do espaço europeu. Por outro lado, a União também quer garantir que o Reino Unido cumpre os seus padrões ambientais e de proteção dos trabalhadores.
O que acontece se não houver acordo?
Apesar de assinarem um documento conjunto ser do melhor interesse, a nível económico, das duas partes, o limite temporal apresenta-se como um forte entrave: definir os termos de um acordo, ratificá-lo e implementá-lo em duas semanas é um verdadeiro desafio, que pode não ser possível nesta fase tardia das negociações. Assim, é necessário avaliar a possibilidade de não existir um desenlace favorável nas negociações.
Nesse caso, as trocas comerciais entre os Estados-Membros da União e o Reino Unido passarão a fazer-se de acordo com as regras da Organização Mundial de Comércio – o que se traduz na imposição de taxas por parte da União Europeia em produtos vindos do Reino Unido, e vice-versa. Esta imposição mútua de taxas pode ser prejudicial para as duas partes, uma vez que se pode traduzir em aumentos de preços para os consumidores ou diminuição de exportações.
Por outro lado, a circulação de bens e pessoas também sofrerá fortes entraves. A imposição de controlo nas fronteiras pode causar situações de impasses nos portos, resultando na escassez de comida e medicamentos. Paralelamente, também podem ser proibidas determinadas viagens de avião.
Perante este possível cenário, as duas partes já começaram a tomar as devidas precauções: por um lado, o Reino Unido está a armazenar uma série de medicamentos (como bombas de asma, antibióticos e paracetamol) de forma a prevenir um forte impacto no caso de não haver acordo. Por sua vez, a Comissão Europeia já publicou um plano de contingência para um cenário de falta de acordo:
O plano anunciado por von der Leyen consiste em acordos de curta duração, maioritariamente destinados a evitar fortes disrupções a partir de 1 de janeiro de 2021, em particular nas indústrias da aviação e de viagens terrestres. Resta saber se será ou não implementado – tudo dependerá de como correm os próximos dias de negociações.