Passaram exatamente dez meses e meio desde que o ciclone Idai destruiu o centro de Moçambique, mas as notícias teimam em não melhorar. Apesar dos esforços de organizações humanitárias e autoridades, a verdade é que são poucas as famílias que já tiveram direito a um alojamento melhor que um abrigo, depois de terem perdido tudo – casas, bens e familiares incluídos. E agora, 2 863 desses foram totalmente destruídos pelas chuvas torrenciais que assolaram a região, e que afetaram 8 070 famílias.
Os dados são do Instituto Nacional de Gestão de Catástrofes (INGC) de Moçambique e da Organização Mundial para as Migrações (IOM), a que a VISÃO teve acesso. Numa altura em que há ainda milhares de pessoas a viver em campos de reassentamento – que também estão a enfrentar dificuldades desde que a época das chuvas começou – a destruição destes abrigos vem complicar ainda mais a vida das comunidades que tentam reerguer-se depois da pior catástrofe da História daquele país.
Os mesmos dados recolhidos pelas duas instituições revelam que 14 pontos de água foram também afetados, tal como quase 2 mil latrinas.
Nada melhora, tudo se transforma
A prevenção da proliferação de doenças tem sido uma das principais preocupações de organizações humanitárias e das autoridades moçambicanas, que desde março passado tentam controlar surtos de cólera e doenças provocadas pela má alimentação – e que são muitas vezes agravadas pela ausência de acesso a fontes de água limpa e a sistemas de saneamento funcionais. A destruição parcial de hospitais e centros de saúde da região centro, em conjunto com a saída do terreno de várias ONG que têm estado a assegurar os cuidados primários às populações estão também a agravar um cenário que não precisava de ajuda para piorar.
Tal como a VISÃO tem vindo a noticiar, no mês passado a ONU dava conta de que mais de 20 campos de reassentamento já estavam em auto-gestão, o que significa que as populações que lá se encontram abrigadas não estão a receber qualquer tipo de assistência alimentar ou de saúde.
Recorde-se que a primeira colheita pós-Idai devia ser feita em março próximo, mas as constantes alterações meteorológicas estão a dificultar a vida das culturas: primeiro os solos precisaram de secar e deixar de ser apenas lama, depois foi preciso encontrar sementes (muitas delas foram doadas por organizações humanitárias), depois houve um sério período de seca e agora, desde novembro, são as chuvas que não dão tréguas. Com os bens alimentares a ser cada vez mais escassos – não apenas em Moçambique, mas em toda aquela região da África Austral – as autoridades temem que haja milhares de pessoas em risco de insuficiência alimentar durante os próximos quatro a cinco meses.
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As próximas colheitas seriam essenciais para diminuir um pouco a escassez de produtos alimentares, numa altura em que os preços dos alimentos também não param de subir.
Os dados compilados pela Rede dos Sistemas de Aviso Prévio contra a Fome (FEWS NET, na sigla em inglês) mostram como tem evoluído o preço do milho na zona centro de Moçambique nos últimos meses e compara esses valores com a média dos últimos cinco anos, e com igual período do ano anterior. Num país onde o milho representa a base da alimentação, o preço deste cereal por quilo ultrapassou os 20 meticais/kg (cerca de 0,30 euros) em novembro, na Beira, um valor que compara com os cerca de 14 meticais (0,19 euros) que custava em igual período do ano anterior. Na Gorongosa, a diferença de preço é superior a 10 meticais/kg entre um ano e outro.
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E embora possam parecer valores muito baixos, é preciso ter em consideração que o salário mínimo naquele país ronda os 61 euros, e que muitas das famílias nem sequer recebem um salário, sobrevivendo, sobretudo nas zonas rurais, das suas próprias culturas e negócios.
Ainda esta semana o presidente da câmara da Beira reforçou os pedidos de ajuda a Portugal, explicando que estão em falta cerca de 600 milhões de dólares para recuperar apenas o que ainda falta naquela região. No total, as autoridades acreditam que sejam precisos 3 mil milhões de dólares para fazer face ao rasto de destruição deixado pelo ciclone Idai em março de 2019.
Números que de tão elevados parecem inatingíveis, mas que escondem, atrás de cada zero, os rostos da miséria que o país não consegue combater sozinho.