Milhares de pessoas foram realojadas na Zambézia, a província a norte de Sofala, depois de o ciclone Idai ter destruído a região central de Moçambique. Agora, e apenas desde o início do ano, o Instituto Nacional de Gestão de Calamidades daquele país dá conta de que cerca de 2 300 hectares de terrenos de cultivo estão inundados, quando faltam menos de dois meses para aquela que seria a primeira colheita do ano – e absolutamente necessária para fazer face à grave carência alimentar que o país tem atravessado desde que o Idai e o Kenneth atingiram as zonas norte e centro de Moçambique. Pontos de acesso a água potável foram destruídos, bem como alguns sistemas de tratamento de água. Só na primeira semana de janeiro, cerca de 180 abrigos levantados nos campos de reassentamento foram completamente devastados pelos ventos fortes e as chuvas que se fizeram sentir.
No mesmo sentido, a Organização Mundial para as Migrações (IOM), deu conta de que pelo menos 290 latrinas foram destruídas, o que aumenta o risco de doenças transmissíveis.
Abrigos destruídos, doenças multiplicam-se
Na província da Sofala, onde as populações ainda se tentam reerguer do Idai, dez meses depois de o ciclone ter praticamente reduzido a região a lama, novas inundações voltaram a colocar à prova a sua resiliência: nem os campos de reassentamento onde foram alojados conseguiram protegê-los do mau tempo, numa altura em que várias estradas voltaram a ficar intransitáveis devido ao aumento exponencial do caudal do rio Buzi. Tal como a VISÃO já tinha dado conta, centenas de abrigos foram destruídos nesta província, para além de que três pequenas clínicas montadas nos campos de realojados foram, simplesmente, levadas pelo vento.
No passado dia 20 de janeiro, 300 pessoas foram obrigadas a procurar abrigo em três diferentes escolas – geralmente os edifícios mais resistentes naquela zona do país, e ainda assim, muitas delas ainda em processo de reconstrução – e apesar de quase todas as famílias terem voltado a casa um dia depois, o relatório consultado pela VISÃO, e elaborado pelo Escritório para Coordenação de Assuntos Humanitários (OCHA na sigla em inglês).
Falta de alimentos agrava-se
Numa altura em que os campos de reassentamento já estão com dificuldades de gestão, e quando todas as organizações humanitárias já passaram a fase de emergência que foi ativada para responder ao ciclone Idai, a fase de reconstrução está a revelar-se um desafio ainda maior. O facto de o tempo não estar a ajudar tem dificultado o trabalho em termos agrícolas – com os solos e o clima a não dar tréguas –, tem atrasado a reconstrução de infraestruturas que garantam mais resistência do que as existentes anteriormente, e tem sido um desafio para a área da saúde. A zona da Beira tem-se debatido com surtos de pelagra, uma doença causada por deficiência nutricional, e associada à carência de vitamina B3. Manifesta-se na pele e costuma ser acompanhada de sintomas como náuseas, fraqueza e diarreia. O tratamento passa por um reforço vitamínico, que muitas vezes não existe em estruturas onde falta tudo.
Recentemente a OIM dava conta de que precisava de mais de 50 milhões de dólares para conseguir ajudar pelo menos parte da população da África Austral que está atualmente a sofrer com graves problemas de acesso a alimentação. Uma situação que é especialmente grave para as crianças – o relatório de dezembro da OCHA revelava que havia quase 70 mil crianças em risco de malnutrição grave, só em Moçambique.
A menos de dois meses de se assinalar um ano da passagem do ciclone Idai pela costa de Moçambique, os números e os relatos que chegam do terreno são cada vez mais desanimadores e graves. As autoridades garantem que estão a fazer o possível, mas até ver, o possível é muito pouco.