O julgamento só está marcado para janeiro de 2021, mas, de certa forma, é como se começasse agora. Entre 20 e 24 de janeiro de 2020 realiza-se no Tribunal de Guerra criado na prisão de Guantánamo, em Cuba, a primeira sessão de uma fase marcante das audiências prévias (uma espécie de “pré-julgamento”) dos atentados de 11 de setembro de 2001, com a audição de James E. Mitchell e John “Bruce” Jessen, psicólogos responsáveis pela criação das “técnicas de interrogação intensivas” da CIA, em tudo semelhantes a tortura, aplicadas a suspeitos de terrorismo.
Khalid Sheikh Mohammed, e quatro outros homens, que alegadamente providenciaram apoio logístico ao ataque, foram dos primeiros a serem sujeitos ao confinamento em pequenos caixões e a simulações de afogamento (waterboarding), técnicas desenvolvidas (e aplicadas, numa primeira fase) por estes psicólogos, alegadamente com uma autorização especial do então Presidente norte-americano George W. Bush.
Considerados membros de topo da Al-Qaeda, recebendo ordens diretas de Osama bin Laden (morto por militares americanos em 2011), os cinco homens foram detidos e levados para prisões secretas da CIA no Afeganistão e no Iraque, em 2003. Estão presos em Guantánamo desde 2006 e foram formalmente acusados pela justiça norte-americana em 2012, enfrentando a pena de morte pelo homicídio de 2 977 pessoas no dia 11 de setembro de 2001.
O testemunho dos psicólogos será determinante para a sustentação das acusações contra estes suspeitos. O processo judicial, que se arrasta há 9 anos no tribunal especial de Guantánamo, pode cair por terra caso se demonstre que a CIA e o FBI torturaram os prisioneiros violando os seus direitos fundamentais, bem como a Convenção de Genebra relativa ao tratamento de prisioneiros de guerra.
Não é expectável que tal aconteça, uma vez que a análise decorre num tribunal militar norte-americano, que não pode considerar-se independente neste processo. Contudo, os advogados dos acusados, bem como de organizações não-governamentais como a Amnistia Internacional, esperam que os “cérebros” destas técnicas norte-americanas se vejam agora obrigados a fornecer informações cruciais para que, em processos futuros, possa ser provada a prática de tortura em prisões da CIA.
Além do infame waterboarding, em que um pano era colocado na cara dos detidos, sendo depois depejados vários litros de água na sua cara, levando-os ao pré-afogamento, são atribuídas a esta dupla de psicólogos versões “melhoradas” de técnicas de privação de sono, colocando os detidos imobilizados, em posições dolorosas durante 11 dias, ou a detenção durante meses no escuro total, com música em distorção.
James E. Mitchell e John Jessen já foram processados anteriormente, nomeadamente pela tortura inflingida ao saudita Abu Zubaydah em Guantánamo e no caso do afegão Gul Rahman, que morreu de hipotermia depois de 12 dias algemado no chão de uma cela em Cabul, sempre nu ou de fralda, com temperaturas negativas. Mas os norte-americanos chegaram sempre a acordos extra-judiciais. Os psicólogos também já foram interrogados no âmbito de uma investigação do Senado dos EUA, mas a informação prestada foi mantida quase na totalidade como “secreta” ou “confidencial”.
Depois de anos de adiamentos, esta semana terão de prestar depoimento num julgamento de porta aberta. Pior do que isso, voltam a estar fechados na mesma sala com cinco dos homens sujeitos às suas polémicas “técnicas de interrogatório” – que, desta vez, estarão por certo muito mais interessados em ouvi-los.