Termina no domingo o prazo que a União Europeia deu a Nicolas Maduro para que antecipe as eleições e encontre condições para uma votação “livre e transparente”, ameaçando tomar “novas medidas” contra o regime venezuelano.
Quem é Nicolas Maduro
Nicolas Maduro, o “Presidente operário”, atravessa a mais profunda crise da sua vida política e, mais uma vez, apela aos seus aliados de sempre: os militares e o povo a quem diz pertencer.
Maduro recebeu formação revolucionária em Cuba, foi condutor de autocarros e fez o início da carreira política nos sindicatos dos transportes públicos, até se tornar um delfim do Hugo Chávez e seguir as suas pisadas até a Presidente da Venezuela.
No topo deste percurso, Maduro nunca se esqueceu de agradecer ao que sabe ser o seu melhor trunfo político: o exército, a quem, em múltiplos discursos, reconhece “a lealdade e disciplina”.
Quando, no início do ano, tomou posse para o segundo mandato no Supremo Tribunal (porque a Assembleia Nacional lhe rejeitou legitimidade), foi ao lado das mais altas patentes militares que jurou cumprir a Constituição.
Nos governos de Hugo Chávez, os militares representavam 25% do executivo, mas com Maduro chegaram a estar presentes em metade da equipa governativa e ainda hoje controlam as áreas políticas mais sensíveis.
No meio dos militares, Nicolas Maduro desenhou o primeiro programa eleitoral, que o levou a Presidente da Venezuela em 2014, com a promessa de tornar o país numa “potência mundial”.
De Hugo Chávez, herdou a autoridade, o estilo e o ódio aos EUA, que rapidamente transformou num dos principais alvos de críticas e de ameaças.
Por isso, não espanta que Donald Trump tenha sido o primeiro Presidente a reconhecer o governo provisório de Juan Guaidó, líder da Assembleia Nacional, esta semana autoproclamado Presidente interino da Venezuela.
Aos 56 anos, Nicolas Maduro sempre se orgulhou de não ter precisado dos bancos das Faculdades para adquirir o conhecimento que o levou a ser idolatrado por milhões, mas também odiado por tantos outros, numa atitude política sempre desafiante.
Nas eleições de maio de 2018, quando ganhou as eleições com mais de 60% dos votos, a oposição queixou-se de falta de transparência, de pressões ilícitas sobre adversários, de chantagem sobre os eleitores.
Mas o homem que se autointitula “Presidente operário”, respondeu como sempre, perante as várias crises que atravessou, dizendo que tem o “povo ao seu lado” e que apenas responde “perante o povo”.
Segundo o Instituto de Imprensa e Sociedade, durante o seu mandato, Maduro eliminou 55 meios de comunicação social, alegando que distorciam a “verdade do Estado” e dizendo que estavam ao serviço de “forças estranhas à democracia venezuelana”.
Os adversários têm outra versão e dizem que Maduro nunca lidou bem com a liberdade de expressão.
Mas todos, aliados e inimigos, reconhecem a Maduro uma insuperável habilidade para a negociação (apurada no seu passado sindicalista), a que junta generosas doses de boa disposição e uma disciplina férrea (que o levam a ficar a trabalhar noite dentro e a dispensar dias de descanso).
Alguns biógrafos atribuem a disciplina e o método às origens familiares, de que pouco se sabe, até porque Maduro evita falar sobre os pais, já falecidos, tal como nunca esclareceu os rumores segundo os quais teria nascido na Colômbia (o que lhe retiraria possibilidade de ser eleito Presidente da Venezuela, segundo a Constituição).
Essa perseverança e disciplina permitiram a Maduro ter sido deputado na Assembleia Nacional (2000 — 2006) e ministro dos Negócios Estrangeiros, no tempo de Chávez, onde aproveitou para se aproximar de líderes controversos, como Muammar Khadafi, da Líbia, Robert Mugabe, do Zimbabué, e Mahmud Ahmadinejad, do Irão.
Esta experiência política permitiu a Maduro tomar as rédeas do poder na convalescença de Chávez, nas primeiras semanas de 2013, conseguindo sobrepor-se ao seu principal rival no aparelho chavista, Diosdado Cabello, e preparando a sua chegada à Presidência.
E ninguém duvidou desse destino, quando o ouviram anunciar ao país e ao mundo a morte de Hugo Chávez, em 05 de março de 2013.
Logo de seguida, ficou como Presidente interino e ganhou as eleições de abril de 2014, contra Henrique Capriles, por uma margem mínima e já nessa altura com fortes protestos da oposição.
Mas a promessa de sonho do “Presidente operário” de transformar a Venezuela numa rica potência mundial descambou num pesadelo de crises políticas e económicas, com uma inflação de vários dígitos, falta de mantimentos e de medicamentos no país, levando milhões de venezuelanos a fugir do país, nos últimos anos.
Mas Maduro sempre resistiu, entrincheirando-se com os militares sempre fiéis e atirando as culpas das crises para as forças estrangeiras, em particular os EUA e a União Europeia.
Mesmo com a popularidade em queda, Maduro alimentou a esperança de recuperar o país, procurando aliados com promessas de futuras benesses a partir da riqueza natural do petróleo e fazendo aos venezuelanos juras de melhor futuro, mesmo contra as previsões de organizações económicas e isolado do apoio internacional (até o Grupo de Lima — com 14 países das Américas — lhe virou as costas).
Mas, Maduro nunca expressou fragilidades, repercutindo na vida pública a reserva da vida privada, de um homem que não expõe a família, apesar de a sua mulher, Cilia Flores, ter ocupado importantes cargos públicos durante a época do regime “chavista”.
De Cilia, Maduro não tem descendência, mas tem um filho de um anterior casamento: Nicolas Maduro Guerra, de 28 anos, que faz parte do grupo de apoio ao governo na Assembleia Nacional.
Mas nestes últimos dias de crise, até o filho se tem mantido mais silencioso no seu apoio ao regime, sinal de que Nicolas Maduro atravessa neste momento a sua mais profunda crise.
Quem é Juan Guaidó
O autoproclamado Presidente interino da Venezuela, Juan Guaidó, apresenta-se como vítima do “regime de terror” de Maduro e aposta na ajuda internacional que cultivou desde que era um ativista contra Hugo Chavéz.
Quando levantou a mão direita para jurar que respeitaria a Constituição, enquanto autoproclamado Presidente interino, perante milhares de manifestantes em Caracas, no dia 23 de janeiro, Juan Guaidó exibiu o pulso ferido.
O vermelho do pulso era a marca das algemas que o tinham prendido, no dia 13, por ter enfrentado o regime de Nicolas Maduro, declarando-se presidente do único órgão legítimo da Venezuela, a Assembleia Nacional.
Em plena via pública e à luz do dia, um grupo de elementos dos serviços secretos venezuelanos, encapuzados, deteve o líder da oposição, para algumas horas depois o libertarem, deixando-o com um cadastro que Guaidó agora gosta de exibir.
A ameaça de detenção tinha sido feita pela ministra do Poder Popular para o Serviço Prisional, Maria Iris Rangel, que na rede social Twitter não deixara dúvidas das intenções do governo de Maduro: “Já tenho uma cela preparada para si e o devido uniforme e espero que nomeie rapidamente a sua equipa de governo para saber quem lhe vai fazer companhia, seu estúpido rapaz”.
A pressão governamental não é novidade para Guaidó, que em 2007 esteve na primeira linha do movimento estudantil que se tentou opor ao encerramento do canal Caracas Televisión — um dos meios de comunicação social que Hugo Chávez silenciou.
Juan Guaidó ficou assim com direito a exibir a “medalha” de pertencer à chamada “Geração de 2007”, um grupo de jovens ativistas que se tentou opor à alteração à Constituição da Venezuela e que rapidamente se tornou um alvo de ira do aparelho do regime “chavista”.
Juan Guaidó fez o tirocínio político ao lado de outros jovens como Miguel Pizarro e Stalin Gonzalez, agora também deputados na Assembleia Nacional, e que se tornaram um núcleo duro de jovens políticos que prometeram não fazer vida fácil do então Presidente Hugo Chavéz.
Mas foi ao lado de Leopoldo López, um pouco mais velho que Guaidó, que Guaidó partiu para a fundação do partido Vontade Popular, em 2009.
López, que era presidente da Câmara de Chacao, foi uma das mais fortes influências em Guaidó, sobretudo na área judicial, onde já no Parlamento conseguiu algumas reformas relevantes, apesar da pressão da máquina do governo.
Quando López foi detido e se tornou o mais famoso preso político na Venezuela, Guaidó ocupou o seu lugar de primeira linha na oposição ao governo.
Em 2012, Guaidó candidatou-se às primárias da coligação que integrava diversas forças da oposição Mesa da Unidade Democrática, para o lugar governador do Estado de Vargas, mas foi derrotado e permaneceu na Assembleia Nacional, para onde tinha sido eleito em 2010.
Em 2015, já com Nicolas Maduro no poder, chegou a coordenador do Vontade Popular e, no Parlamento tornou-se presidente de uma das comissões permanentes, o que lhe aumentou a visibilidade política, mas também acicatou ainda mais as resistências do Presidente, em particular quando começou a referir-se ao “regime de terror”.
Guaidó gaba-se de usar a metodologia de engenharia, que estudou na Universidade, para desmontar os aparelhos de poder.
Profissionalmente, recusou um sedutor lugar numa empresa no México, para se manter na Venezuela e continuar a luta que tinha iniciado como ativista juvenil, empurrando o seu partido Vontade Popular para uma linha mais extremista e sendo um dos mais entusiastas organizadores de manifestações de protesto contra Maduro.
Quando no final de 2018, Guaidó começou a maturar a ideia de criar um governo transitório, não reconhecendo o resultado das eleições de maio, por considerar que não tinham sido justas nem transparentes, rapidamente percebeu que o seu principal objetivo seria aliciar o exército.
“Não temos armas, por isso precisamos do exército”, disse um dia Lilian Tintori, mulher de Leopoldo López e também uma importante mentora de Guaidó.
Contudo, horas depois de Guaidó se autointitular Presidente interino, o exército declarou lealdade a Nicolas Maduro e deixou o novo governo transitório dependente do apoio externo, que começou a chegar ao telefone do líder do Parlamento desde vários países.
O Presidente dos EUA, Donald Trump, foi o primeiro líder mundial a declarar o seu apoio ao governo transitório, dando razão aos que dizem que Guaidó há vários meses que negociava com os norte-americanos um processo de retirar poder a Maduro.
Aliás, Guaidó foi alimentando conexões diplomáticas e políticas com líderes de vários países, na América do Norte e na Europa.
“O Parlamento liderado por Juan Guaidó é o último vestígio da democracia no vosso país”, afirmou o vice-Presidente dos EUA, Mike Pence, num vídeo divulgado nas redes sociais, logo a seguir à declaração em que aquele se autoproclamou Presidente interino.
com Lusa