O jornal inglês The Telegraph foi proibido de publicar uma reportagem de alegado assédio sexual e ofensas raciais a funcionários por um grande empresário.
Depois de oito meses de investigação, o jornal recebeu, ontem, uma ordem do tribunal (Court of Appeal) que proíbe a revelação de detalhes dos acordos de confidencialidade (non-disclosure deals) assinados entre o empresário e as alegadas vítimas. O que, na prática, impede a divulgação
da identidade do empresário, o nome das suas empresas, assim como aquilo de que é acusado e os pagamentos que fez às alegadas vítimas.
Nas 20 páginas da decisão do juiz Sir Terence Eherton, do Court of Appeal (Tribunal de Apelo, numa tradução livre), conta o The Telegraph, o empresário é referido como “ABC” e as alegações são descritas como “condutas para prejudicar a sua reputação”.
A medida cautelar provisória do tribunal diz que em cinco casos foram feitos “pagamentos substanciais” a cinco pessoas através de acordos de confidencialidade.
Para o juiz estão em causa os “contratos” assinados entre o empresário e as alegadas vítimas. Apesar de concordar que a revelação da história é importante para o debate público e que a liberdade de expressão é essencial numa sociedade democrática, o magistrado referiu que “existe a real possibilidade de a publicação do caso do The Telegraph causar danos imediatos, substanciais e possivelmente irreversíveis a todos os requerentes”.
A mesma firma de advogados de Ronaldo
O empresário acusado contratou sete advogados e já gastou cerca de 550 mil euros em custas judicias para que o seu caso não venha a público. A firma que o representa, a Schillings, já teve como clientes os futebolistas John Terry, Ryan Giggs e Cristiano Ronaldo.
Um dos advogados das Schiilings fez parte da equipa de advogados contratados por Ronaldo – segundo a investigação feita pela revista alemã Der Spiegel – para elaborar o acordo de confidencialidade que fez, em 2009, com Kathryn Mayorga, que o acusa de violação. Na altura, Ronaldo pagou 375 mil dólares (cerca de 324 mil euros) para que Mayorga não revelasse o que se passou na suite de um hotel em Las Vegas.
Estes acordos tornaram-se, de certa forma, uma arma para alegados agressores. Uma das vítimas do produtor Harvey Weinstein quebrou um destes acordos de confidencialidade que tinha assinado nos anos 1990 para denunciar o alegado assédio sexual do homem cujo historial de más condutas para com as mulheres viria a dar origem ao movimento #Me Too. O The Telegraph chama à sua investigação “O Escândalo #Me Too britânico que não pode ser revelado”.
Recorde-se que estes acordos fazem, normalmente, parte de negociações entre empresas para que não sejam revelados segredos comerciais. No Reino Unido discute-se se estes entendimentos não estarão a ser usados para esconder condutas impróprias e calar as vítimas em vez de, como estão na sua génese, proteger segredos como, por exemplo, a fórmula da Coca-Cola.
Antes de chegar ao Court of Appeal, o The Telegraph teve uma decisão favorável da instância inferior (High Court). O juiz Charles Haddon-Cave considerou que “em nenhuma circunstância o interesse público da publicação prevalece sobre qualquer confidencialidade ligada a essa informação”. As alegações contra o empresário são “razoavelmente credíveis” e a sua publicação “é do interesse público”, acrescentou. No entanto, o Court of Appeal não concordou.
O Supremo Tribunal deverá ser o próximo passo.