Sobre o Japão costumamos ouvir falar do Imperador, das cidades com milhões de habitantes, dos comboios supersónicos e, claro, das bombas nucleares que arrasaram as cidades de Hiroshima e Nagasaki e que acabaram na rendição do país e o término da II Guerra Mundial, em 1945.
Mas também ouvimos e lemos que é um dos países mais envelhecidos do mundo – 27,3% da população tem mais de 65 anos – e que a esperança média de vida é das mais altas, 84 anos (87 anos para as mulheres e 81 anos para os homens).
É uma nação de grandes contrastes, mas vamos apenas falar de um tema, a solidão, em duas variantes: a população que aluga, sim aluga, familiares e as mulheres mais velhas que cometem pequenos crimes para irem para a prisão, porque ali têm companhia e quem trate delas.
* Minha senhora da solidão
Minha senhora das dores
Quanto tempo falta para te ver sorrir
Quantas misérias ainda vais exibir
Quanto tempo mais vou ter de te ouvir queixar?
Alugar um parente não é uma novidade no Japão. Há agências que tratam desse assunto, como conta a reportagem da revista norte-americana New Yorker. Há quem precise de um marido, de uma mulher, um filho ou filha, um neto… O grosso destes alugueres é destinado à companhia para ir a casamentos, mas há mais causas. Como o homem que enviuvou e viu a filha sair de casa depois de uma discussão. Nishida, residente em Tóquio, como relata a New Yorker, recorreu aos serviços da agência Family Romance para alugar uma mulher e uma filha.
Marcou um primeiro encontro, depois de 375 dólares pagos e um pedido para que a falsa filha tivesse a mesma idade da verdadeira e que a falsa mulher fosse parecida fisicamente com a que faleceu, e foram todos jantar. As duas mulheres prestaram bem o serviço (refira-se que representam como se fossem atrizes) e Nishida continuou a requerer os préstimos da agência. No segundo encontro, jantaram em casa dele e viram televisão depois, como se de uma normal família se tratasse.
Nishida, com cerca de 60 anos, queria dar cabo da solidão. Acabar com o momento de chegar a casa e não ter ninguém com quem falar e partilhar as aventuras do seu dia. Seguiram-se vários outros momentos juntos. A filha alugada até convenceu o “pai” a telefonar para a verdadeira filha e desfazer os mal entendidos. O que aconteceu e com sucesso.
Este é um dos casos. Há quem alugue “amigos de infância”, parceiros(as) para quem está divorciado ou preso e, até, pais quando não se quer dizer ao noivo(a) que eles já faleceram. A Family Romance tem 12 mil atores para todos os serviços.
Uma outra agência, conta a revista, tem um serviço mais especializado. Do menu constam várias tipologias de “homem giro”: durão, intelectual ou irmão mais novo, por exemplo.
Há toda uma indústria para satisfazer estes pedidos que, muitas vezes, têm por trás o sentimento que as faz ganhar dinheiro: solidão.
Minha senhora da solidão
Minha senhora dos prantos
Tens um “ai” encravado na boca
Que dia após dia te sufoca
Precisas muito mais que uma simples oração
O outro lado da pesada moeda da solidão aponta para um número cada vez maior de idosas que praticam pequenos crimes para serem presas. Os roubos em mercearias e supermercados encimam as ilegalidades cometidas por mulheres de 70 ou 80 anos que se sentem sozinhas por não terem família ou que, mesmo tendo, vivem isoladas e sentem falta da partilha. Na reportagem da Bloomberg são contadas algumas dessas histórias. Como a da Sra. N., de 80 anos, condenada (pela terceira vez) a três anos e dois meses de prisão por ter roubado uma moldura, croquetes e uma pequena ventoinha de mão.
Com marido, dois filhos e seis netos diz que “passava os dias sozinha”, que o marido lhe “dava muito dinheiro”, mas não era isso que queria. A Sr. N. afiança que “gostei mais da minha vida na prisão. Tinha sempre pessoas com quem falar e não me sentia sozinha. Quando fui libertada, da segunda vez, jurei que não voltava mais. Mas quando estava lá fora não conseguia deixar de me sentir nostálgica”. Num outro caso relatado, a Sra. O., de 78 anos, também a cumprir uma terceira pena por ter furtado bebidas energéticas, chá, café e uma manga, refere que “a prisão é uma oásis para mim. Um local de relaxamento e conforto.”
O teu crucifixo não me ilumina
O teu sacrifício não me pode fazer bem
Não é bom para ninguém
Hum, não ajudas ninguém…
Na sociedade japonesa, o número de crimes praticados por idosos tem sido um problema difícil de resolver e para o qual não estavam preparados. Não há programas de reabilitação para estas pessoas e as guardas-prisionais andam convertidas, também, em enfermeiras (a idade avançada das prisioneiras faz com que precisem de mais cuidados de saúde), profissão para a qual não estão preparadas. Em dez anos as despesas de saúde no sistema prisional aumentaram 80%.
Uma em cada cinco mulheres presas é idosa e, destas, nove em cada dez foram condenadas por pequenos furtos em lojas.
*Minha Senhora da Solidão, música e letra de Jorge Palma, do álbum Bairro do Amor, lançado em 1999