Quando, a 21 de setembro próximo, João Lourenço assumir a presidência da República de Angola, tudo indica que manterá na sua equipa ministerial alguns dos homens fortes de José Eduardo dos Santos. É o caso de Manuel Vicente, ex-presidente da Sonangol, atual vice-presidente e arguido em Portugal na Operação Fizz, por alegado ato de corrupção do procurador do Ministério Público, Orlando Figueira deverá ser o ministro do Estado e da Coordenação Económica.
Também Hélder Vieira Dias, mais conhecido por general Kopelipa, homem de negócios e sócio de Isabel dos Santos, deverá manter-se como ministro de Estado e chefe da Casa de Segurança da Presidência da República.
São cada vez mais os sinais de que João Lourenço, que larga o Ministério da Defesa para ser o terceiro Presidente de Angola depois da independência, será um homem condicionado no poder e nas suas escolhas. Ao ponto de os seus opositores já lhe chamarem “o subordinado” de José Eduardo dos Santos, o presidente que queria ser “Emérito”, epiteto que acabou rejeitado. Contudo, conseguiu deixar ao seu sucessor uma herança armadilhada: não basta continuar presidente do MPLA, o partido que tem a prerrogativa de estabelecer o programa e até a composição do governo, como pouco tempo antes das eleições garantiu a recondução da sua filha Isabel à frente da Sonangol, do filho Filomeno ao leme do Fundo Soberano, e da continuidade da administração da empresa de diamantes estatal, a Endiama.
Aos 63 anos, o umbundu nascido no Lobito, província de Benguela, alcança finalmente o cargo que tanto ambicionou e por que tanto esperou. Mas a dúvida que sempre ensombrou os mais críticos do poder angolano mantém-se: vai João Lourenço querer, ou poder, romper com a constelação de interesses que se instalou e absorveu todas as oportunidades? Ou vai apenas mudar alguma coisa para que tudo fique na mesma? As desconfianças acentuam-se num momento em que Angola, pela grave crise financeira que atravessa, está debaixo do radar do FMI e das entidades europeias. Face aos resultados provisórios contestados pela oposição o MPLA ganhou as eleições (61%), mas perdeu distância face à UNITA (26,7%) e ao CASA-CE (9,49%), diminuindo o número de deputados. Resultados definitivos deverão ser divulgados a 6 de setembro.
O QUE ELES ANDARAM PARA AQUI CHEGAR
Só por uma vez durante a campanha eleitoral, João Lourenço conseguiu ter José Eduardo dos Santos a seu lado e foi já na reta final. E não foi aí que ele disse à sua audiência que “tem faltado coragem para acabar com a impunidade”, uma das raras críticas que se lhe conhece aos poderes instalados que misturam negócios e Estado. Ele também sempre por lá andou, apesar de sempre se ter preservado bem de escândalos.
Reservado, discreto, com a sabedoria de observar e saber esperar para alcançar, João Lourenço é também um homem de negócios, acionista do Banco Sol (ligado ao partido) e um dos maiores latifundiários. Mas é, sobretudo, um homem de formação militar, que sempre fez carreira no MPLA, subindo os degraus e ocupando os cargos à medida da vontade de José Eduardo dos Santos, não sendo certo que tenha sido a primeira escolha para o suceder.
Filho de Sequeira João Lourenço, enfermeiro natural de Malanje, e de Josefa Gonçalves Cipriano, costureira nascida no Namibe, o novo Presidente da República de Angola tem seis filhos com Ana Dias, nascida em Luanda há 60 anos. Os dois igualam-se em estatuto, poder e ambição, fazendo adivinhar a dupla perfeita. Conheceram-se em Moxico, quando ele foi nomeado comissário provincial, e casaram em Benguela.
Além da carreira militar, com especialização em artilharia pesada, ele formou-se em Ciências Históricas, na Academia Superior Lenine, quando Moscovo era a cabeça da União Soviética. Ela licenciou-se em Economia, na Universidade Agostinho Neto, em Luanda.
Antes de ele assegurar o Ministério da Defesa (de 2014 até à data), ela tinha sido ministra do Planeamento (de 1999 até 2012).
Ambos passaram por toda a estrutura de poder do MPLA e ambos guardaram mágoas e ressentimentos face à máquina partidária.
Quando, na viragem do século, ainda era secretário-geral do MPLA, e depois de uma primeira promessa gorada de José Eduardo dos Santos abandonar o poder, João Lourenço fez saber que ambicionava o cargo e, como tal, posicionou-se para o conseguir.
Mas tal antecipação de vontade foi vista como um atrevimento e, por isso, foi posto “de castigo” a aguardar vez como vice-presidente da Assembleia Nacional.
Ela parece recordar bem o momento em que foi presa e enviada para a cadeia de São Paulo, em Luanda, depois implicada nos incidentes da intentona de maio de 1977, em Lubango, liderados pelos fracionistas de Nito Alves, que contestavam o então presidente Agostinho Neto. “Houve pessoas que quiseram pôr-me fora do MPLA, mas só conseguiram fazê-lo durante três meses”, ironizou, em entrevista ao Novo Jornal.
MAIS DO QUE UMA PRIMEIRA-DAMA
Mas tudo isso podem ser águas passadas. Ele esperou e alcançou. Ela impôs-se, assumindo cargos de prestígio e de influência. Com especializações em Análise e Avaliação de Projeto no Banco Africano de Desenvolvimento e de Política Macroeconómica no Instituto de Gestão do Banco Mundial de Desenvolvimento, chegou a ministra antes dele. Integrou depois a equipa diretiva do Banco Mundial e fez bons contactos no FMI, que agora talvez venham a ser úteis ao casal. Todos a olham como uma mulher com ambições políticas, que não se vai limitar a ser uma primeira-dama de adereço.
Aliás, foi eleita deputada no nono lugar da lista do MPLA.
Ambos falam inglês e espanhol, mas enquanto João acrescenta o russo, Ana prefere o francês. Diz-se que ele gosta de uma boa partida de xadrez, mas não é certo que a mulher o acompanhe.
Para já, ele vai ocupar a cadeira de Presidente da República repartindo ainda o poder com quem ocupa a presidência do MPLA, o sempre eterno José Eduardo dos Santos.
E, na tradição constitucional angolana, o poder governativo emana do partido. O general de três estrelas na reserva conseguirá cortar os fios transparentes que podem fazer dele uma simples marioneta? Ou vai continuar a ser um bom gestor do tempo até conseguir o xeque-mate?
(Artigo publicado na VISÃo 1278, de 31 de agosto de 2017)