Aos 82 anos, o ex-comandante da marinha norte americana contabilizava três idas ao espaço, duas à superfície lunar. No seu livro de recordes pessoal conta ainda com dois passeios espaciais, depois de ter sido um dos 14 astronautas seleccionados pela NASA, a agência espacial norte-americana, em 1963. Dez anos depois, em dezembro de 1972, comandou a última missão tripulada ao satélite da Terra. As suas últimas palavras, no regresso da viagem à Lua, estão em destaque no site da NASA: “Estamos a voltar como fomos e esperamos ir de novo, numa viagem de paz e esperança para toda a humanidade.”
Recorde a entrevista publicada na VISÃO História nº5, de Julho de 2009
‘Fiz parte do sonho’
Para o último homem a pisar a Lua, o norte-americano Eugene Cernan, explorar é o nosso destino
Passar três dias na Lua é uma verdadeira odisseia para qualquer ser humano e é disso que fala o norte-americano Eugene Cernan, hoje com 75 anos, o astronauta que, em Dezembro de 1972, deixou lá inscritas as iniciais da sua filha e trouxe a maior quantidade de rocha lunar de todas as missões.
Tanto tempo depois, reconhece que o feito foi arriscado, mas gosta de dizer que não terá sido mais do que fizeram os navegadores portugueses há 500 anos. «Eles foram os primeiros a tornar o mundo mais pequeno. Nós fomos para o Espaço pelas mesmas razões», disse-nos recentemente em Lisboa, aonde se deslocou para compromissos comerciais.
Mas, se «o Espaço é a última fronteira», hoje, regressar à Lua, significa «um investimento no futuro dos jovens».
Como se sente por ser o último homem que esteve na Lua?
É uma honra, mas a verdade é que já carrego esse título há muito tempo. Não posso esconder que estou desapontado por ter passado tanto tempo sem lá voltar. Já passaram mais de três décadas, já era tempo. Agora há um programa em que estamos a trabalhar para voltar. E vamos fazê-lo. Não sei se será em dez, 15 ou 20 anos. Mas vamos voltar.
Na Lua, viu um mundo sem fronteiras, sem guerras e sem medos. Será uma imagem inesquecível…
É verdade, não se reconhecem barreiras de religião, de cor, de etnia, seja do que for. Olhar para a Terra é extraordinário, de um pólo ao outro, a rodar no eixo, harmoniosamente. Mas é também um infortúnio só quando se está no Espaço é que vemos de facto a Terra e sabemos apreciá-la.
A sua missão foi a única que teve um cientista a bordo e a que trouxe o maior número de amostras de rochas lunares…
Trouxemos muitas amostras, mais do que todas as outras tripulações, pedaços de rocha que foram partidos e oferecidos. Dedicámos o nosso voo aos jovens de todo mundo que vieram de vários pontos do globo para assistir ao voo. Quando voltámos, oferecemos aos seus países um pedaço de uma rocha trazida pela Apollo 17. Em nome de um futuro baseado no estímulo dos sonhos no coração desses jovens.
Qual foi o melhor momento dessa viagem?
Sem dúvida, olhar de fora para a Terra. Faz-nos ter noção do que somos nesse momento, no tempo e na história. Não queria vir-me embora…
Esteve lá imensas horas, um tempo recorde...
Sim, aquelas 75 horas foram extraordinárias, tive oportunidade de pensar onde tínhamos estado, o que tínhamos feito e o seu significado. Queria era que o tempo parasse.
Fez parte da missão Apollo 10, que esteve em órbita da Lua imediatamente antes da viagem que levou Neil Armstrong. Porque é que só quis voltar a embarcar mais tarde?
Queria andar na Lua, mas mais importante era acabar o que tinha começado na Apollo 10, era o fim de um ciclo. Isso só foi possível mais tarde, mas valeu a pena. Apanhámos rochas, fizemos uma série de experiências, mas o mais extraordinário foi ter deixado este planeta e ter pousado noutro ao qual pude chamar «casa», mesmo que só por umas horas. No início dos anos 60, o presidente John Kennedy tinha-nos desafiado [chegar à Lua antes do final da década] e eu fiz parte desse sonho…
E houve maus momentos? Teve medo?
Houve momentos de maior apreensão, e em que o coração bateu mais depressa, mas maus momentos, não. Foi uma missão que correu muito bem. Não se tem medo, porque planeámos a viagem, trabalhámos muito para que aquilo acontecesse, desejávamos imenso que se concretizasse. Se tivesse medo não teria chegado a embarcar.
Como é que a sua família viveu a sua experiência?
Nunca damos a importância devida à nossa família. Eu sabia que ia voltar, não tinha tenção de embarcar rumo à Lua e não voltar. Mas para a minha mulher, a experiência era bem diferente. Uma vez perguntaram-lhe como é que se tinha sentido. A sua resposta foi extraordinária: «Se pensam que ir à Lua é difícil, experimentem ficar em casa…» Ainda não havia astronautas quando era criança.
É verdade que já sonhava com o Espaço?
Havia tiras de banda desenhada com heróis que cruzavam o Espaço. Era o tempo do Buck Rogers [série que levou o conceito de exploração espacial às massas, seguindo as pegadas de pioneiros da literatura de ficção científica]. E eu também queria voar, mas até ser jovem adulto, viajar no Espaço não era uma possibilidade.
E como é que tudo surgiu na sua vida?
Era piloto na Marinha… O meu pai sempre me disse: «Dá o teu melhor, seja na sala de aula seja no campo de futebol… Na Marinha, dei o meu melhor por duas razões: a mais importante era a sobrevivência, a segunda era a satisfação. Queria ser bom naquilo que fazia. E foi isso que me levou primeiro ao programa espacial e depois à Lua.
Diz que se sente desapontado por não termos ainda voltado à Lua, depois da sua viagem. O que é que aconteceu?
Durante alguns anos pensei que a questão simplesmente se tinha alterado. Já lá tínhamos estado, era tempo de olharmos por nós, pelo nosso planeta… E pensou-se que era preciso dinheiro para resolver esses problemas. Mas são as pessoas que resolvem os problemas. É verdade que foi a tecnologia que tornou possível a viagem à Lua. Mas foram as pessoas que o fizeram. Precisamos de acreditar novamente que só resolvemos os nossos problemas estimulando os corações e as cabeças dos mais novos. E isso é algo em que a corrida espacial pode ajudar. É incrível o que uma pessoa consegue fazer quando sente paixão, quando está envolvida.
E agora faz sentido voltar à Lua ou ir mais longe?
Primeiro temos de voltar lá. Aterrámos em seis sítios diferentes, mas agora levantam-se mais questões: por exemplo, parece haver gelo no pólo sul. Se há gelo, há água; se há água, pode haver vida… É preciso primeiro saber mais sobre isto. E depois poderemos partir para saber mais sobre Marte.
O que diz a quem não acredita que pousámos na Lua?
Vieram entrevistar-me uma vez e apanharam-me desprevenido. Dantes ficava irritado, mas agora só tenho pena dessas pessoas. Diga o que disser, nada irá mudar o pensamento delas. É naquilo que querem acreditar. Tenho pena, porque perderam uma das maiores aventuras do século XX e da Humanidade. Se não acreditam, não fizeram parte dela. Sei que as últimas pegadas são minhas e que as iniciais da minha filha (TDC Tracy Dawn Cernan) também vão lá ficar para sempre. Não vou perder tempo a tentar convencer essa gente de algo em que não querem acreditar.
Devemos então preocupar-nos antes em falar com os jovens, levá-los a sonhar com missões espaciais…
Ir à Lua deu-nos uma série de oportunidades, mas é também uma responsabilidade, sobretudo para os mais novos, que não nos questionam, não são cépticos, ouvem o que temos a dizer. É isso que guardam, quando lhe dizemos «dá o teu melhor, isso pode levar-te à Lua, mostra o que és capaz e isso pode atirar-te às estrelas, és sempre capaz de te surpreender…». É esse o estímulo da Educação: mostrar-lhes que são capazes de fazer algo com que nunca sonharam. Voltar à Lua será um investimento no futuro dos nossos jovens. E vamos voltar. Explorar é o nosso destino. E o espaço é a última fronteira.