Em março de 2014, um antigo contrabandista do estado do Paraná, com fama de ter fortuna e amigos influentes, era preso pela polícia federal brasileira. Na altura, os meios de comunicação social apresentaram Alberto Youssef como bon vivant e “doleiro”, alguém metido em negócios ilegais com moeda estrangeira e branqueamento de capitais. E reproduziram, com ou sem rigor, as suas palavras no momento da detenção: “Caras, se eu falar, a república vai desmoronar”. Volvidos dois anos, dir-se-ia que pouco falta para ter acertado em cheio. A República Federativa do Brasil vive um dos momentos mais conturbados da sua história recente e este domingo, 13 de março, milhões de pessoas vão desfilar em centenas de cidades de todo o país contra e a favor do Governo. Os protestos prometem agudizar ainda mais o ambiente de crispação entre os próprios brasileiros devido ao maior caso de corrupção que o país alguma vez conheceu, a que se veio também somar a crise económica e a austeridade decretada pela Presidente Dilma Rousseff. As forças de segurança já estão em alerta máxima, com vários analistas a falarem da inevitabilidade de cenas de violência. Uma tempestade perfeita cujos sintomas se iniciaram há dois anos com a prisão de Alberto Youssef e que marca o arranque da operação Lava Jato, uma mirabolante tramoia com dinheiros públicos (2400 milhões de euros) que envolve os principais partidos e dirigentes políticos, e as maiores empresas de engenharia e de construção civil.
GRANDE CAÇADOR DE DELATORES
A trama desenrolou-se através dos contratos da energética nacional, a Petrobrás, e atingiu proporções tais que ninguém importante escapa ao clima de suspeição e às investigações em curso, incluindo três antigos presidentes e a atual chefe de estado (ver caixa), o presidente do Senado, Renan Calheiros, e o presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha.
Se o “doleiro”Alberto Youssef foi uma personalidade chave na operação desencadeada a 17 de março de 2014, graças às suas denúncias sobre os beneficiários dos movimentos bancários e das contas criadas em inúmeros paraísos fiscais, uma outra figura tem sido incontornável neste delicado processo: Sérgio Moro. Com 44 anos, filho de uma professora de português e de um professor de geografia, o juiz de Curitiba que lidera a investigação pode apresentar números desconcertantes da sua atividade ao longo dos últimos 24 meses: 120 prisões preventivas, meia centena de condenações e mais de meio milhar de empresas e de políticos sob escrutínio judicial.
Este é o balanço provisório do Lava Jato que já vai na sua 24ª fase, denominada Aletheia palavra do grego antigo que significa verdade e realidade.
Um caso que tem desenvolvimentos a cada dia que passa face às “delações premiadas” promovidas pela equipa de Sérgio Moro com muitos implicados a aceitarem dar informações privilegiadas e a denunciarem cúmplices a troco da redução de pena. Um método polémico previsto na legislação brasileira desde 2013 e que tem sido fundamental para o magistrado.
Foi assim com Alberto Youssef (cumpre pena de três anos embora tenha sido condenado a oito por corrupção passiva), com Paulo Roberto Costa, ex-diretor de abastecimento da Petrobrás (incriminou 25 deputados, seis senadores, três governadores, um ministro e deu detalhes como a Odebrecht e outras construtoras faziam pagamentos através de bancos suíços) e parece que foi esse o expediente usado junto de Delcídio do Amaral, antigo ministro de Minas e Energia e senador até dezembro, quando foi detido.
O ASSÉDIO À FAMÍLIA LULA
Terá sido Delcídio que, para escapar a males maiores e ficar a aguardar julgamento em prisão domiciliária, deu novas pistas aos procuradores sobre Dilma Rousseff. Mas não só. O senador do Partido dos Trabalhadores (PT) pode ter também revelado dados comprometedores para Lula da Silva e respetiva família. Pelo menos é essa a tese defendida pela revista IstoÉ na sua edição da passada semana. A 4 de março, um dia depois da publicação da reportagem assinada por Débora Bergamasco, sucedeu aquilo que muitos esperavam e outros julgavam impossível: o homem que governou o país de 2003 a 2010 e resgatou mais de 30 milhões de brasileiros à miséria era alvo de “condução coercitiva”. Isto é, foi obrigado a acompanhar os polícias que lhe bateram à porta de casa às sete da manhã, com a missão de o levarem para um interrogatório formal no aeroporto de Congonhas, em São Paulo. Durante mais de três horas, Lula respondeu às questões que lhe foram colocadas pelo delegado da Polícia Federal e pelos colaboradores do juiz Sérgio Moro. Em causa, o seu envolvimento em alegados crimes de tráfico de influências, corrupção e lavagem de dinheiro.
Construtoras como a Odebrecht, Camargo Correa, OAS e Andrade Gutierrez terão pago mais de sete milhões de euros a Lula por palestras, verba que os investigadores suspeitam tratar-se de contrapartidas pelos bons ofícios do ex-Presidente na concessão de obras em vários países africanos e da América Latina. Pediram-lhe ainda contas pelas suas garrafas de vinho importado e pelas remodelações e pelos móveis numa quinta em Atibaia e num apartamento triplex em Guarujá, ambos no estado de São Paulo, que ele e a sua prole frequentam há anos embora não sejam os proprietários.
MÃOS LIMPAS À MODA BRASILEIRA
No total, a família foi alvo de 33 mandados de busca que incluíram várias residências, o Instituto Lula e as empresas onde têm interesses. Vários documentos e material informático foram apreendidos e a polémica não mais parou. O homem que abandonou o Palácio do Planalto com uma taxa de popularidade de 80 por cento zurziu o juiz Sérgio Moro por ter sido tratado como um “prisioneiro” e os seus advogados falam em “perseguição pessoal”.
Os setores ligados ao PT foram mais longe e acusam o procurador de fazer o jogo da oposição e de querer impedir uma nova candidatura de Lula à presidência, em 2018, invocando a figura da “improbidade administrativa” resultante dos pagamentos ilegais das construtoras. E, claro, entendem que Moro está a contribuir para o “sequestro da democracia”, razão pela qual apelam à mobilização da esquerda e dos sindicatos contra as forças conservadoras, a “mídia golpista” e as organizações que prometem lutar nas ruas pela destituição de Dilma casos do “Movimento Brasil Livre”, “Vem Para a Rua” e a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo. O duelo não vai seguramente acabar neste domingo. Quanto mais não seja porque Sérgio Moro pode ter a pretensão de “regenerar” o Brasil e seguir o exemplo de alguém que ele muito admira: o juiz Antonio Di Pietro que, entre 1992 e 1994, fez implodir o sistema político italiano com a operação Mãos Limpas. Vamos ver quem fará depois de Berlusconi brasileiro.