O primeiro-ministro de Itália faz lembrar Snàporaz, o sedutor incorrigível, interpretado por Marcello Mastroianni, na Cidade das Mulheres, de Federico Fellini, que, a dada altura, vai a tribunal responder pela sua masculinidade. No final, é metralhado por Donatella, quando está dentro de um balão de ar quente. O primeiro-ministro italiano também terá de comparecer perante a Justiça, na quarta-feira, 6 de abril, por causa dos seus problemas com o outro sexo. Mas a morte a que se arrisca é política.
O Cavaliere é acusado de promover a prostituição de menor (6 meses a três anos de prisão) e de abuso de poder (quatro a 12 anos de cadeia). E, tal como Snàporaz, também vai ser julgado por mulheres, as juízas Carmen D’Elia, Orsolina De Cristofaro e Giulia Turri, do tribunal de Milão. Em causa, o facto de, alegadamente, ter sido cliente da marroquina Karima el-Marough, conhecida como Ruby Rouba-Corações, quando ela tinha apenas 16 anos. Berlusconi nega e a própria também. Mas a polícia apurou que Ruby foi convidada, várias vezes, para as famosas festas bunga bunga, na casa de Milão do Cavaliere, a villa Arcore. Aconteceu na sequência de investigações desencadeadas quando Ruby foi detida por roubo, em maio de 2010: as autoridades estranharam que o primeiro-ministro tivesse intercedido pela marroquina, pedindo à polícia para a libertar, sob pretexto de ser sobrinha do então Presidente egípcio, Hosni Mubarak. O Cavaliere terá também convencido a polícia a confiar a jovem à guarda de Nicole Minetti, organizadora das festas eróticas na villa Arcore.
Contra tudo e todos
Em qualquer outro país ocidental, uma acusação semelhante levaria o chefe do Governo a demitir-se. Mas Berlusconi, com 74 anos e um longo historial de problemas com a Justiça, faz gala de ser um lutador e quer enfrentar este caso sem ponta de humilhação, apenas como mais um combate político. Diz que as acusações são “farsas desprezíveis e repugnantes”, destinadas a liquidá-lo politicamente e acredita que tem armas para sobreviver a mais esta provação.
Também confia em manter a maioria parlamentar, até ao fim da legislatura, em 2013, porque a Itália não tem uma alternativa política consistente.
Se houver uma condenação no “caso Ruby”, a defesa do primeiro-ministro já fez saber que esgotará todas as instâncias de recurso até ao Supremo. O ministro dos Negócios Estrangeiros, Franco Frattini, colocou mesmo a hipótese de um recurso para o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, por considerar que as escutas telefónicas às participantes nas festas em Arcore “violaram a intimidade” do primeiro-ministro.
Berlusconi aposta num conjunto de personalidades para vencer esta crise. Em primeiro lugar, em Niccolò Ghedini, advogado meticuloso e conhecedor de todos os mecanismos processuais, hábil a pôr paus na engrenagem jurídica. Logo depois, no ministro da Economia, Giulio Tremonti, um pilar fundamental, pois goza do respeito do mundo empresarial e dos mercados financeiros e garante a estabilidade e o rigor das contas públicas. Sem ele, acredita-se que o primeiro-ministro já teria caído há muito. Em terceiro lugar, em Umberto Bossi, o líder da Liga Norte (LN), indispensável à maioria parlamentar que suporta o Governo. Bossi continuará a apoiar Berlusconi numa situação de fragilidade, pois é a forma de garantir que não terá oposição às exigências da LN sobre a reforma federal do Estado italiano.
Forte apesar de tudo
No seu círculo político mais próximo, o Cavaliere conta, também, com o apoio do ministro da Justiça, Angelino Alfano, que, durante anos, elaborou leis destinadas a blindá-lo contra os processos por corrupção ou conflito de interesses; e de Gianni Letta, o subsecretário da Presidência do Conselho de Ministros, homem do aparelho partidário e elo privilegiado com o Vaticano. Além disso, Berlusconi pode contar com vários jornalistas, dispostos a oferecerem-lhe um palco para se defender e fustigar os seus adversários políticos. E sabe, sobretudo, que, atualmente, não há alternativa, em Itália, ao seu partido, o Povo da Liberdade (PDL). O Partido Democrata, principal força de oposição, de centro-esquerda, arrasta uma longa crise ideológica e de liderança. Outras duas formações competem pelo mesmo espaço político, a Itália dos Valores e a Esquerda e Liberdade. E ainda há um terceiro polo centrista, composto por Gianfranco Fini, antigo braço-direito de Berlusconi, e pelos democratas-cristãos de Pier Ferdinando Cassini. Só uma improvável coligação de todas estas forças, incluindo os antigos comunistas e os ex-fascistas, permitiria derrubar o Cavaliere.
Ao contrário, o PDL tem conseguido reforçar a sua posição parlamentar, como se viu durante a votação de uma moção de confiança, em janeiro. Berlusconi teve o apoio de vários trânsfugas. Alguns deputados e senadores do novo partido de Fini, Futuro e Liberdade para Itália, afastaram-se e constituíram um grupo parlamentar independente, que atua como satélite do PDL. Fini diz que foram seduzidos com benesses e Berlusconi está convencido de que conseguirá conquistar mais parlamentares e reforçar a sua maioria. Como Snàporaz, na Cidade das Mulheres, o primeiro-ministro acredita que ainda pode acordar do pesadelo