O presidente do Grupo Stellantis, o português Carlos Tavares, garantiu que a fábrica de Mangualde irá começar a produzir veículos com motor elétrico. Uma decisão que poderá garantir o futuro desta unidade fabril, que emprega cerca de 900 pessoas, para as próximas décadas.
“As equipas em Mangualde já estão a preparar essa transição de forma a que, quando for necessário, a fábrica tenha a agilidade necessária para dar essa resposta”, disse o gestor, assegurando ainda que “o nível de custos e a competitividade de Mangualde” foram fatores chave que justificaram esta tomada de decisão.
Apesar do anúncio, Carlos Tavares não se quis comprometer com uma data para o início do projeto. O presidente executivo da Stellantis diz que tudo estará dependente da forma como o mercado evoluir.
“No nosso plano estatrégico está definido que, a partir de 2030, todas as vendas da Stellantis na Europa serão de carros elétricos. O que está em aberto é a data em que se iniciará aqui a produção destes veículos, porque ainda há muitas incógnitas sobre a evolução das vendas, a disponibilidade de energia elétrica limpa e o crescimento das infraestruturas de carregamento das baterias. E estas incógnitas são determinantes para decidir se os veículos com motor elétrico chegarão aqui de forma mais rápida ou mais lenta”, justificou.
Carlos Tavares prestou estes esclarecimentos durante a cerimónia comemorativa dos 60 anos da fábrica Stellantis de Mangualde, unidade que já produziu vários modelos do antigo Grupo PSA (Peugeot/Citroen), hoje integrado na Stellantis, que junta ainda marcas como a Opel, a Fiat, Alfa Romeo e Chrysler, entre outras.
Na cerimónia, que contou com a presença do Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, Carlos Tavares anunciou ainda que a fábrica de Mangualde irá começar, a partir de outubro, a produzir um quarto modelo, o Fiat Doblo, que se junta ao Peugeot Partner, ao Citroen Berlingo e ao Opel Combo, que já são ali fabricados.
“Esta é uma consequência óbvia do trabalho excelente da fábrica em termos de qualidade e fiabilidade. Esta decisão poderia ter recaído noutras fábricas, mas acabou por vir para Mangualde porque os níveis de qualidade são do melhor a nível mundial”, assegurou o gestor.
A fábrica de Mangualde começou a produzir, em 1962, o Citroen 2CV e mais tarde fabricou outros modelos da marca gaulesa, como o GS, o Mehari ou o AX. De salientar que foi de Mangualde, em 1990, que saiu o último Citroen 2CV produzido em todo o mundo.
De há uns anos para cá, Mangualde especializou-se na produção de veículos comerciais ligeiros. Em 2019, antes da pandemia, atingiu o seu recorde de produção com um total de 77 607 unidades, mais 23% que no ano anterior.
Com a chegada do Fiat Doblo, Carlos Tavares admite que, se a procura o exigir, Mangualde poderá ir, no máximo, até 100 mil veículos por ano. “Temos vindo a organizar a fábrica para estar ajustada à procura. E os sindicatos têm sido estupendos para agilizar a empresa a se adaptar a um contexto externo que é muito volátil. Esta adaptalidade tem protegido a fábrica. Com a chegada da Fiat poderemos ir aos 100 mil veiculos por ano, o que, para o mercado português, é muito significativo”, disse o presidente executivo da Stellantis.
Atendendo à elevada procura no mercado dos comerciais ligeiros, esta é uma meta que poderá ser facilmente atingida, o que obrigaria a reforçar os quadros da empresa. “Temos encomendas e uma fábrica com capacidade para as produzir, mas não vamos alterar a estrutura da organização do trabalho, enquanto não tivermos certeza sobre o fornecimento de semicondutores. Fazê-lo agora seria apenas gerar custos inúteis”, explicou. Na sua opinião, a crise dos semicondutores apenas deverá estar resolvida no final de 2023.
Durante o evento, a empresa anunciou que irá construir um parque fotovoltaico capaz de fornecer 30% da energia consumida na fábrica. O plano estratégico da Stellantis assume o compromisso de atingir a neutralidade carbónica em 2038, o que obriga todas as unidades fabris do grupo a fazer um esforço adicional para reduzir a sua pegada ecológica.
“Iremos continuar a aumentar esta percentagem porque queremos, não só, continuar a utilizar cada vez mais energia verde, como proteger a empresa de qualquer percalço que possa acontecer em termos de fornecimento de energia”, disse Carlos Tavares, referindo-se aos graves problemas a que a Europa está a atravessar devido à crise energética causada pela guerra na Ucrânia.
Sobre o futuro do cluster automóvel português, Carlos Tavares admite que o País tem “vários trunfos” que poderão ser fundamentais para que o setor mantenha uma forte atividade em território nacional.
“Estamos a evoluir de uma economia linear para uma economia circular. A passar do mundo da eficácia para o mundo de eficiência. Cerca de 60% da energia produzida em Portugal provém de fontes renováveis. E isso é um trunfo. Além disso, quer, nos próximos três a quatro anos, passar para 80%. Isso é outro trunfo”, esclareceu.
E não se ficou por aqui. Deu exemplos como a resiliência do País e da população que “nunca abandona o combate”, apesar de admitir que é necessária uma maior aposta na qualidade, no rigor e no produção com maior valor acrescentado, o que só poderá acontecer com mais formação..
“Num pequeno País como o nosso só podemos apostar na educação e na exigência industrial. E esta fábrica é um exemplo. Posso dizer, como empresário privado que conhece bem outras realidades, que encontro nesta fábrica uma excelência de comportamento que não vejo noutros sítios”, justificou.
Mas não são apenas qualidades que o gestor encontra no seu País natal. “Hoje em dia, Portugal só tem uma doença: o excesso de burocracia. Se há algo que deveríamos priorizar é a redução dessa burocracia, que leva a que muitos projetos seja adiados ou mesmo abandonados. Temos de dar mais espaço para que a sociedade possa respirar”, concluiu.