A ordem de detenção, emitida pelos procuradores Carlos Casimiro e Hugo Neto, apanhou todos de surpresa, tendo em conta que o ex-ministro do Governo de José Sócrates nunca se terá furtado a comparecer perante a Justiça nas vezes em que foi convocado. Manuel Pinho, que chegou ao Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP), em Lisboa, pelas 10 horas, terá sido detido pelas 11 horas, para prestar declarações no âmbito do Caso EDP, cuja investigação se iniciou há meia dúzia de anos. Já a mulher, Alexandra Pinho, que também foi convocada há um mês para ser ouvida durante a tarde desta terça-feira, viu alegadamente emitido um mandado de detenção contra si – que não foi levado a cabo
De acordo com o advogado de defesa do antigo governante, Ricardo Sá Fernandes, a ida de Pinho ao DCIAP estava marcada desde 4 de novembro, na altura em que houve novos factos no processo (mais concretamente 622 novos indícios) em que é arguido por suspeitas de corrupção e branqueamento de capitais. A detenção ocorreu enquanto aguardavam que se iniciasse o interrogatório. Com a detenção, o ex-ministro teve de ser presente ao “superjuiz” Carlos Alexandre, que substituiu Ivo Rosa à frente deste caso em que Pinho é investigado devido ao alegado recebimento de verbas oriundas do antigo Grupo Espírito Santo.
“A justiça não pode funcionar assim. Isto é uma situação de um grave abuso de poder. O Ministério Público não pode escolher os juízes que acha que servem melhor os seus propósitos”, atirou Sá Fernandes, após o sucedido. Saliente-se que, há três anos, a dupla de procuradores já tinha pedido que o processo saísse das mãos de Ivo Rosa – o que se verificou tendo em conta que este juiz passou a estar em exclusividade com a Operação Marquês, a que se juntou os casos BES e Octopharma. Ainda de acordo com o advogado, não houve uma significativa alteração de “factos mas sim a mudança do juiz de Instrução Criminal, que passou a ser o juiz Carlos Alexandre”.
1.Porque ocorreu agora a detenção?
Como sinalizou o advogado de defesa, a presença de Manuel Pinho estava prevista há cerca de um mês no DCIAP. Perto das 10 horas da manhã, o antigo governante compareceu para prestar declarações sobre um aumento da indiciação, tendo em conta que, a 4 de novembro, não o fez e terá pedido tempo para analisar a nova matéria.
Naquela data, a mulher de Pinho, Alexandra, que também estava convocada, não compareceu no DCIAP, instalado no edifício novo da Polícia Judiciária (PJ), lateral ao “Ticão” – o Tribunal Central de Instrução Criminal, localizado no velho prédio da PJ. Sendo que sobre Alexandra Pinho recairá suspeitas da prática do crime de branqueamento de capitais relacionada com a titularidade da sociedade Tartaruga Foundation, por onde passaria o dinheiro proveniente do GES, como adiantou o Observador, no passado mês de outubro. Alexandra Pinho justificou então a ausência com uma cirurgia.
Porém, o facto de o casal declarar Alicante (Espanha) como local de residência e após a fuga rocambolesca de João Rendeiro no final do mês de setembro, o lema de “trancas à porta” parece agora guiar a estratégia do Ministério Público neste caso.
Já Sá Fernandes aponta a mira a Carlos Alexandre, cuja atuação relativamente a arguidos pauta-se por uma diferença substancial em relação a Ivo Rosa, porque opta por medidas de coação mais gravosas justificadas com o que interpreta quase sempre como riscos de perturbação das investigações, da ordem social, continuidade da atuação criminosa e perigos de fuga.
2. Saída de Ivo Rosa mudou rumo do caso?
São evidentes as diferenças entre Ivo Rosa e Carlos Alexandre na instrução de processos, mas no Caso EDP tem sido flagrante essa divergência.
O melhor exemplo, além do que agora acontece com Manuel Pinho, ocorreu há dois anos, quando Carlos Alexandre passou a acompanhar o inquérito perante a exclusividade de Ivo Rosa na Operação Marquês. Na altura, em julho de 2020, Alexandre decidiu aplicar como medida de coação a suspensão de funções dos antigos líderes da EDP e EDP renováveis, António Mexia e Manso Neto, respetivamente – aliás, ambos os administradores acabaram por se afastar da EDP após essa decisão, anunciando que não se candidatariam a mais renovações de mandatos.
Todavia, já este ano, em março, quando terminou a exclusidade, Ivo Rosa optou por extinguir tal suspensão do exercício de funções, invocando que aquela medida tinha uma duração máxima de oito meses.
Um sorteio atribuiu a Rosa a instrução criminal do caso EDP, tendo a relação com os procuradores sido sempre conflituosa. Carlos Alexandre não o sucedeu logo. Antes, quem substituiu primeiro Ivo foi a juíza Ana Peres – conhecida pelo julgamento do processo Casa Pia. Uns meses depois, Peres foi substituída por Conceição Monteiro, a mesma magistrada judicial do caso Hells Angels e que chegou a mandar destruir os emails apreendidos a Mexia. Apenas aí Carlos Alexandre entrou em cena, aplicando a tal medida de coação a Mexia e Manso.
No regresso, pós-Marques, Ivo Rosa não só acabou com aquela decisão, como ainda admitiu como assistente no caso José Sócrates.
3. O que está em causa no processo EDP?
Em causa estão suspeitas de crimes de corrupção e participação económica em negócio relativamente ao dossiê conhecido como rendas excessivas, sobre os custos para a manutenção do equilíbrio contratual, cuja legislação produzida há uma década terá permitido à EDP encaixar cerca de 1,2 mil milhões de euros – quer através do aumento do valor de referência da energia, quer através da exploração de hidroelétricas.
Segundo o Ministério Público, para alcançar tal nível de rendas, a EDP terá corrompido Manuel Pinho, assim como Artur Trindade, ex-secretário de Estado da Energia do Governo PSD/CDS, liderado por Passos Coelho.
Recorde aqui as origens do caso EDP
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