Mesmo os otimistas, sejam eles realistas, crónicos, imbatíveis ou irritantes, terão certamente reagido com surpresa às últimas notícias sobre a descida do desemprego em Portugal. No espaço de um ano, entre agosto de 2016 e o mesmo mês de 2017, a taxa de desemprego, medida pelo Instituto Nacional de Estatística (INE), caiu mais de dois pontos percentuais, de 10,9% para 8,8%, abrangendo menos 105,5 mil pessoas.
O valor é o mais baixo desde novembro de 2008, quando a crise internacional ainda estava no início. Mas, mesmo assim, ainda existem em Portugal 451,7 mil desempregados, um número que, de acordo com a estimativa rápida de setembro do INE, poderá já ter descido para perto de 442 mil.
Com o fim do programa de ajustamento e a saída da troika, a taxa de desemprego começou a recuar, depois de ter atingido 17,5% no primeiro trimestre de 2013. A emigração, a entrada antecipada na reforma, o abandono da procura de emprego aliviaram a pressão sobre as estatísticas. Ao mesmo tempo, a retoma da economia gerou novos postos de trabalho.
Nos últimos dois anos, foram criados 231,3 mil empregos – dos quais 139,8 mil só entre agosto de 2016 e igual mês de 2017. A melhoria da economia, o aumento do consumo privado e a subida das exportações ajudaram. No mesmo espaço de tempo, o número de desempregados caiu, respetivamente, em 174,8 mil pessoas e em 105,5 mil pessoas. Esta disparidade nos números pode indicar que os novos empregos foram ocupados não só por desempregados mas também por pessoas que já estavam fora do mercado de trabalho – os chamados inativos, que tinham desistido de procurar trabalho ou que se mostravam temporariamente indisponíveis.
É nos setores do turismo e da construção que se nota maior dinâmica na criação de emprego, acompanhando a retoma da economia. Os dados do INE, referentes ao segundo trimestre de 2017 (os últimos disponíveis com esta informação), apontam para uma subida do emprego no alojamento, restauração e similares, com mais 55,7 mil pessoas ao serviço. Com uma evolução homóloga de 10,5% surge a construção, com mais 30 mil empregos, seguida da área da saúde e apoio social com 27,2 mil novos postos de trabalho, e da atividade da informação e comunicação (associadas às startups tecnológicas), com 18,5 mil pessoas a mais. O ramo imobiliário, com 13,2 mil novos empregos, representa a maior variação percentual homóloga, com uma subida de 44,4 por cento.
Qualidade do emprego
Se o turismo e construção são as atividades que mais têm ajudado a repor os níveis de emprego anteriores à crise, são também as áreas que geram muitos postos de trabalho temporários, pouco qualificados e mal pagos. Um estudo sobre a qualidade do emprego, conduzido por João Ramos de Almeida, consultor do Observatório sobre Crises e Alternativas do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra (ver entrevista), conclui que a “recuperação do emprego está a ser acompanhada por um aumento da instabilidade dos vínculos contratuais”, a par de “uma estagnação ou mesmo recuo da retribuição salarial”.
Através da análise dos dados fornecidos pelos Fundo de Compensação do Trabalho e Fundo de Garantia de Compensação do Trabalho (organismos que garantem as compensações por despedimento e os salários em atraso quando os empregadores não cumprem com as suas obrigações), verifica-se que, a partir de novembro de 2013, houve um “aumento do peso dos contratos não permanentes no total do emprego”. À semelhança, aliás, do que também mostram os Inquéritos ao Emprego do INE, os Quadros de Pessoal e os Inquéritos aos Ganhos e Duração do Trabalho produzidos pelo Ministério do Trabalho e Segurança Social.
De acordo com os últimos dados dos dois fundos, em junho estavam em vigor mais de 1,2 milhões de contratos de trabalho (de um total de 3,5 milhões assinados desde novembro de 2013), a maioria dos quais (36,7% do total) a termo certo. Os contratos sem termo representavam 32,9% do total e outras formas de contrato (a termo incerto, temporário, a tempo parcial) os restantes 30,4% do total.
Embora o vínculo “efetivo” ainda seja a forma jurídica dominante do emprego em Portugal, verifica-se que, no emprego criado depois do início da crise, domina “o contrato não permanente”. Os contratos de trabalho a prazo, a prazo incerto, temporário e parcial, perfazem 63,3% do total. A boa notícia é que os contratos permanentes registam, a partir de 2014, “uma progressão positiva”, chegando já a um terço no total dos novos contratos em vigor.
Os baixos salários parecem andar a par da precariedade nestes novos contratos de trabalho. Ao longo dos quatro anos em análise, as remunerações associadas aos novos contratos “vão registando uma subida continuada”, mas representam “um rendimento salarial médio apenas 23% acima do salário mínimo nacional”, como mostra o estudo. Dados de maio de 2017 indicam que a média salarial dos novos contratos era de 646 euros mensais brutos. E, em áreas como o turismo (alojamento e restauração) e a construção, a média salarial dos novos contratos em vigor não ultrapassava os 547 euros (abaixo do salário mínimo nacional, que é de 557 euros ilíquidos) e os 634 euros, respetivamente.
Ao mesmo tempo, os contratos em vigor remunerados com o salário mínimo nacional passaram de 23% em 2014 para 37% em 2016. Para o autor do estudo, os novos contratados são, na sua maioria, afetados por “condições de emprego muito incertas, pouco seguras e mal remuneradas”. É uma realidade que a descida continuada dos números do desemprego, por si só, não desvenda.
João Ramos de Almeida, Consultor do Observatório sobre Crises e Alternativas do CES da Universidade de Coimbra
“40% dos novos contratos são com o salário mínimo”
> O que é que contribuiu para este alívio no desemprego?
Diria que foi a imensa capacidade produtiva subaproveitada a níveis históricos: de 2008 a 2010, destruíram-se 245 mil empregos, mas do primeiro trimestre de 2011 ao de 2013 foram mais 420 mil. Bastava a economia voltar a respirar…
> Como se explica que a criação de novos postos de trabalho no último ano tenha ficado acima da redução do número de desempregados?
É que o desemprego não mostra tudo. Essa criação fez-se à custa também da atração de inativos, até aí afastados da atividade. Apesar da retoma, ainda se está longe de absorver as pessoas “subutilizadas” (os inativos desencorajados e indisponíveis e os subempregados). De acordo com os últimos dados do INE, ainda são 903 mil! Uma taxa de desemprego de 16,6%!
> O novo emprego, que está a ser criado, é um emprego de qualidade?
Temos hoje uma massa desempregada que foi gerada por políticas visando uma desvalorização salarial. Por isso, é hoje possível conciliar retoma do emprego com contratos mais precários e descida salarial. Cerca de 40% dos novos contratos são com o salário mínimo nacional, o que é brutal.
(Artigo publicado na VISÃO 1288, de 26 de novembro)