As contas aos números dos orçamentos da Educação e da Saúde não batem certo e o ministro das Finanças foi ao Parlamento insistir numa explicação que não convence os deputados da oposição. Até agora, a regra foi sempre a de comparar as dotações iniciais inscritas nas propostas de Orçamento do Estado (OE) com a estimativa das verbas efetivamente gastas no ano anterior.
Mas, desta vez, Mário Centeno está a acusar os deputados da oposição de compararem dados que “não são comparáveis, mesmo quando apresentados de acordo com as regras da contabilidade pública (numa lógica de caixa), e insiste num aumento das verbas afetas à Educação e à Saúde. Mais: na Educação, será a primeira vez que os gastos subirão desde 2011. O que estará a enviesar as contas, segundo o governante, terá sido a “suborçamentação” a que as duas áreas foram sujeitas pelo anterior governo do PSD/CDS em 2015, e que estará agora a ser corrigida.
“Depois de anos sucessivos de redução de orçamento [inicial], com uma diminuição de 440 milhões entre 2013 e 2015, em 2016 e 2017 há um reforço de 483 milhões na educação para corrigir a suborçamentação que o anterior Governo operou”, disse o governante. Quanto à execução orçamental, “houve uma redução de 210 milhões entre 2013 a 2015. O crescimento estimado em 2016 é de 337 milhões”, acrescentou. “Este crescimento merece, no entanto, uma nota: corrigido do atraso do pagamento de custos salariais de 2015 que o anterior governo deixou para trás, de montante superior a 70 milhões, o crescimento em 2016 seria de 267 milhões”, disse ainda no Parlamento.
Confuso? Bastante. Vamos à explicação (possível):
Na proposta do OE para 2017, a despesa total para o programa do Ensino, Básico e Secundária e Administração Escolar (Educação) cresce 3,1%.Como explicou o ministro Tiago Brandão Rodrigues, em entrevista à SIC, essa subida resulta da comparação entre o montante de 6 023 milhões de euros, inscrito no OE para 2017, com o valor de 5 843 milhões de euros inscrito no OE para 2016.
Mas a oposição discorda, e aponta para uma variação negativa de 2,7%, ao comparar o montante inscrito para o próximo ano não com a previsão inicial para 2016 mas sim com a estimativa dos gastos que irão ocorrer até ao final deste ano, que é de 6 192 milhões de euros.
Esta explicação foi retomada pelo ministro das Finanças hoje de manhã mas, à semelhança do que tinha sido feito num comunicado enviado às redações na segunda-feira, 31, Centeno comparou sempre as dotações iniciais das propostas de OE, recuando inclusive a 2015 e mostrando como a dotação inicial para 2017 ficou em 483 milhões acima desse valor.
“Os números são o que são, e os senhores deputados lidarão com eles quando souberem lidar com números”, acusou hoje Centeno no Parlamento. Mas, na verdade, a norma seguida até agora pelos sucessivos governos é a de comparar as dotações orçamentais iniciais com as estimativas de execução para o final do ano anterior. Este Governo, na proposta de OE para 2017 que entregou no Parlamento, comparou, pela primeira vez, a dotação inicial com os valores inscritos no OE para 2016. E só duas semanas depois é que entregou no Parlamento os quadros com a estimativa da execução orçamental para o final de 2016, que conduzem às tais conclusões diferentes em áreas como a Saúde e da Educação.
Assim, na Educação, a execução orçamental em 2016 deverá ultrapassar a verba orçamentada inicialmente para 2017 em 349 milhões de euros. A comparação das dotações iniciais mostrava um aumento de 179 milhões de euros, mas esse valor desce para menos 170 milhões de euros quando se compara a verba inicial com a execução prevista para o final deste ano – o que conduz a uma redução efetiva de 349 milhões de euros para a área da educação.
Na Saúde, o orçamento também cresce bem menos do que parecia. Em vez de um reforço de 353 milhões de euros nas verbas, a dotação inicial só vai subir pouco mais de 100 milhões de euros face ao que será gasto até ao final deste ano.
No Parlamento, Centeno confirmou o défice na Saúde apurado pelo INE aponta para 472 milhões de euros, o que representa uma derrapagem de 440 milhões de euros face aos 30 milhões inicialmente estimado para 2015 (também pelo anterior governo). “Haja saúde”, ironizou o ministro. Na Educação, a derrapagem na despesa deverá situar-se em cerca de 240 milhões de euros, o que coloca o desvio nestas duas áreas em 680 milhões de euros acima do orçamentado para 2016, de acordo com o ministro.
Centeno acusou ainda os antigos governantes do PSD e do CDS de serem “expansionistas fiscais”, acusando-os de terem transferido para as contas de 2016 um “fardo de despesa fiscal”. “Temos mais de 900 milhões de euros de reembolsos que em 2015”, disse, culpado o anterior governo pela retenção de “dinheiro dos portugueses”. No IRS, IRC e IVA, os desvios serão “quase exclusivamente explicados pelos reembolsos mais elevados”.
Esta foi a segunda vez que o ministro das Finanças foi ouvido na comissão parlamentar de Orçamento e Finanças sobre a proposta orçamental para 2017, desta vez com os deputados já na posse dos mapas com a estimativa de execução das receitas e das despesas para o final deste ano. A execução da despesa na área da Educação, com os números a mostrarem uma quebra nos gastos orçamentados para 2017, foi o ponto mais questionado pelos parlamentares da oposição. A discussão e a votação do OE na generalidade vai decorrer já esta quinta e sexta-feira.