Ela tem negado qualquer influência familiar no seu sucesso empresarial. “Sempre fui tremendamente independente. Sempre quis destacar-me sozinha e nunca ficar na sombra dos meus pais”, disse uma vez numa entrevista. O certo é que Isabel dos Santos, tida como a mulher mais rica de África, foi nomeada esta quinta-feira, 2, presidente da empresa petrolífera estatal angolana Sonangol, através de um despacho presidencial, assinado, por José Eduardo dos Santos, seu pai e presidente de Angola desde 1979.
À nomeação surpreendeu e não surpreendeu. Mas ao timing não terá sido alheia a chegada a Luanda, na véspera, de uma equipa do Fundo Monetário Internacional (FMI), para negociar um empréstimo que o regime angolano precisa como do pão para a boca, depois de a queda dos preços do petróleo ter devastado a economia. O produtos petrolífero representam 40% do PIB angolano, 95% das suas exportações e 75% das suas receitas orçamentais. Com a descida dos preços, o valor das exportações petrolíferas angolanas diminuíram em mais de 40 mil milhões de dólares em dois anos: de 66 902 milhões de dólares, em 2013, para 26 745 milhões.
A própria Isabel dos Santos assumiu, na noite de dia 2, o seu papel de liderança na empresa estatal angolana, emitindo um comunicado à imprensa. “A preocupação com a redução de custos, bem como o aumento dos lucros e da competitividade, são hoje prioridades estratégicas obrigatórias. No entanto, alcançar os resultados pretendidos é uma tarefa difícil e complexa”, admitiu a empresária, numa declaração em que a tónica é a de “mudança” e da necessidade de “marcar uma nova era”.
Estrela da banca
Esta movimentação é suscetível de reforçar o papel de relevo que Isabel dos Santos já desempenha na banca portuguesa. Ela será uma figura incontornável na definição do setor num futuro próximo, em especial no Millenium BCP, do qual a Sonangol é direta e indiretamente a principal acionista.
Se a Sonangol levar à letra o quadro de “refocalização” na sua “função original e primordial”, expresso no “novo modelo de gestão do sector dos petróleos em Angola” (a pretexto do qual Isabel dos Santos foi nomeada), não é de descartar que a petrolífera venha a abandonar a posição de 17,84% que detém no BCP.
Mas outros cenários são plausíveis. E mesmo uma saída da Sonangol não significa que diminua o controlo angolano sobre o banco. Se a Sonagol sair podem entrar outros capitais angolanos, como os de uma das empresa de Isabel dos Santos.
Até há pouco tempo, tudo apontava para que a empresária angolana estivesse interessadíssima no desempenho de um papel de relevo no palco bancário português. Segundo noticiou recentemente o Expresso, a empresária andaria mesmo a estudar a hipótese de se tornar acionista do BCP, num cenário de saída do BPI, onde detém 18% das ações, através da sua empresa Santoro. Aliás, Isabel dos Santos chegou a propor, no ano passado, uma fusão entre o BCP e o BPI.
Apesar se se querer “refocalizar” no seu negócio principal, a Sonangol não precisa de desinveistir no BCP, no qual é a principal acionista, detendo também 29,9% do Millenium Angola. Neste cenário, Isabel dos Santos ficaria a mandar no BCP, via Sonangol, podendo, ao mesmo tempo, reforçar a sua posição através de uma das suas empresas.
A influência da Sonangol no banco português não se esgota naquela participação direta. Outro acionista de referência é o Grupo Interocêanico (com 2,22%), de Carlos Silva, vice-presidente do BCP. Este gestor, tido como um protegido de Manuel Vicente, ex-presidente da Sonangol e atual número dois do regime angolano, está ligado ao Banco Privado do Atlântico (BPA), no qual a Sonangol é o principal acionista, e que, por sua vez, é acionista do Interoceânico.
Por outro lado, o Millenium Angola e o BPA estão em processo de fusão. Segundo o BCP, que fica com 20% da nova instituição (Banco Millenium do Atlântico), a fusão permitirá crescer num contexto económico adverso e a adaptação às regras definidas europeias que estipulam uma diminuição da exposição da banca europeia em África – e que estão na origem das fricções entre Isabel dos Santos e o BPI.
Entretanto, em Portugal, a assembleia-geral do BCP deliberou realizar aumentos de capitais sem dar direitos de preferência aos atuais acionistas, abrindo caminho à entrada de novos acionistas. Acresce a isso o interesse que o BCP tem revelado pela compra do Novo Banco. Tudo piscadelas de olho aos capitais angolanos, seja via Sonangol ou através de uma das sociedades veículo da filha do presidente.