Não é só na Europa – Portugal incluído – que a dívida pública cresce sem parar. O endividamento na China atinge níveis alarmantes. Em 2015, atingiu um novo valor recorde de 248,6% do PIB, ou seja, duas vezes e meia maior do que a própria economia, que é a segunda maior do mundo. Mais do que o tamanho da dívida, o que surpreende é o ritmo alucinante a que o Estado chinês tem pedido dinheiro emprestado – em 2008, a sua dívida atingia “apenas” 148,3% do PIB, ou uma vez e meia a dimensão da economia. Face a estes valores, os peritos avisam que os países com crescimentos tão rápidos da dívida geralmente entram numa crise financeira ou começam a enfrentar sérias dificuldades em crescer.
Este crescimento galopante da dívida chinesa só é comparável ao que sucedeu na Irlanda, antes da crise de 2008, e na Tailândia, antes da crise financeira asiática do final da década de 90. Embora o peso no PIB da dívida chinesa seja comparável ao dos Estados Unidos (248% do PIB) e da Zona euro (269,9% do PIB), está bastante acima dos restantes países emergentes. Porém, continua longe do valor recorde da dívida do Japão, estimada em 387,1% do PIB. Em Portugal, a dívida pública atingiu 128,9% do PIB em março.
Os analistas apontam culpas ao programa de estímulo da economia, orçado em 4 mil milhões de yuans (cerca de 460 mil milhões de euros) que o Governo chinês pôs em prática a partir de 2009 para evitar o contágio da crise financeira internacional. As empresas públicas e a administração local responderam à chamada de Pequim e reforçaram os gastos em dose maciça, à custa, claro está, de dinheiro emprestado. A dívida destas empresas aumentou quatro vezes mais, para 166,3% do PIB, só nos últimos sete anos, segundo dados do Banco de Pagamentos Internacionais (BIS, na sigla original) citados pelo jornal espanhol El País.
Preocupado está o FMI, que alertou recentemente para o aumento “insustentável” do nível “excessivo” da dívida chinesa. Na mesma linha, o jornal oficial Diário do Povo referiu os riscos “mortíferos” para a economia chinesa resultantes do excesso de dívida. E, mais recentemente, um estudo da consultora Natixis indicou que 16% das maiores empresas cotadas em bolsa não geravam lucros suficientes para suportarem os encargos com os juros da dívida. No setor imobiliário, o cenário é ainda mais assustador.
Apesar dos alertas, não há sinais de que as coisas estejam a mudar. A economia chinesa está a desacelerar, mas o crescimento esperado de 6,5% do PIB em 2016 continua assente no recurso ao crédito. O volume de novos empréstimos concedidos entre janeiro e março atingiu 4,61 mil milhões de yuans (cerca de 630 mil milhões de euros), um valor idêntico ao registado no início de 2009, logo após o arranque do programa de estímulo da economia.
Da parte do Governo chinês, parece haver um compromisso tão forte com as metas do PIB que nem o excesso de dívida o faz mudar de estratégia e iniciar as reformas económicas que os especialistas estrangeiros recomendam. A favor do regime, estará o facto de uma larga fatia da dívida ter sido contraída no mercado doméstico, garantindo ao Governo uma certa facilidade em controlar os danos. Além disso, muitas das empresas públicas endividadas, assim como os bancos credores, serão “demasiado grandes para cair”, contando com o apoio das autoridades. “Não acredito que a China sofra um processo de desalavancagem financeira dolorosa porque as autoridades não o permitirão”, disse ao El País Iris Pang, da Natixis.
Em curso, está já um plano de auxílio aos bancos chineses, avaliado em 1 bilião de yuans (cerca de 139 mil milhões de euros), que passa pela troca de créditos “maus” por capital das empresas devedoras. Mas a sua eficácia foi questionada por Gordon Orr, analista sénior da McKinsey, que alertou para o risco de se estar a transferir dívida “de um lado para o outro”, em declarações ao site Business Insider.
Se os receios alastrarem ao mercado de capitais, a situação pode piorar. Os investidores ainda não recuperaram a confiança perdida no verão de 2015, quando a derrocada das cotações espalhou ondas de pânico pelas restantes bolsas mundiais. A 24 de agosto, a bolsa de Xangai perdeu mais de 8,5% do seu valor, num total de 3,1 biliões de euros, ou seja, o mesmo que a riqueza criada em Portugal durante duas décadas. Essa “segunda-feira negra” pôs a nu uma outra realidade: a pujante economia chinesa estava a abrandar e o mundo tinha que se preparar para isso.
A China conta com uma importante reserva de divisas para contornar hipotéticos resgates internacionais, caso as contas públicas se deteriorem, mas isso não evita que a China possa cair “numa etapa prolongada de baixo crescimento económico”, como tem sucedido com o Japão desde a década de 90 do século passado. Pequim enfrenta um paradoxo: ou a economia cresce e a dívida reduz-se de forma natural, ou então não cresce e a dívida aumenta ainda mais. Uma história que se arrisca a terminar sem um final feliz, que países como Portugal conhecem bem demais.