Quem não gostaria de pedir um empréstimo e ainda receber por isso? O problema é que tal situação haveria de ter o seu reverso e poderia chegar ao cumulo de termos de pagar um juro ao banco sobre os nossos próprios depósitos. Seria a inversão da razão de ser do negócio bancário – pagar juros sobre os depósitos e cobrá-los nos empréstimos com alguma margem de lucro – que levaria, em última instância, à ruína do sistema financeiro e ao desaparecimento de muitos bancos. Se não temos vantagem em depositar dinheiro no banco e este não tem interesse em emprestar-nos dinheiro não há atividade bancária, com todo o impacto que isso terá na economia.
Mas este pode ser o resultado da continuidade das taxas de juro euribor em níveis negativos, às quais estão indexadas as taxas de juro que pagamos pelos nossos empréstimos. Daí que o governador do Banco de Portugal, Carlos Costa, venha agora pedir à Assembleia da República que crie legislação que faça com que o limite seja a taxa zero, tal como já acontece relativamente aos depósitos. Caso os bancos tenham de aplicar taxas de juro negativas ao ponto de terem de pagar para nos emprestar dinheiro, a atividade bancária portuguesa sofreria um impacto de “700 milhões de euros na sua margem financeira”, acentuando a sua debilidade, de acordo com os cálculos do Banco de Portugal.
“Se o banco tiver de pagar para emprestar dinheiro e não puder cobrar juros, deixa de haver atividade bancária”, admite á VISÃO o economista da Faculdade de Economia do Porto, João Loureiro. “Desaparece a razão de ser da atividade bancária e está tudo condenado á falência”, vaticina, concordando em absoluto com a proposta do banco de Portugal. A continuar esta situação, o banco deixará de ter qualquer interesse em emprestar dinheiro, quer a particulares, quer a empresas. A economia estagna.
Resultado perverso da política do BCE
Em termos simplistas, (que isto da finança tem contornos muito complexos), as hipóteses acima apontadas resultam da politica do BCE para estimular o consumo. A ideia do dinheiro barato para estimular a liquidez do sistema interbancário e a economia, acabou por influenciar a taxa de juro euribor. Conhecemos este nome dos créditos que contraímos para comprar as nossas casas. Quem tem contratos de crédito cujos juros atualizam de três em três meses deverá saber que as taxas estão negativas há um ano. Para quem fez os contratos com atualizações a cada ano, tem taxas de juro negativas desde fevereiro.
O que os bancos têm feito é abater esta diferença ao spread (uma margem financeira definida por cada instituição) que também nos cobra, reduzindo a taxa de juro que pagamos. Mas, nos contratos antigos, do tempo em que os bancos concorriam entre si para nos conceder empréstimos, os spreads (que são fixos ao longo dos contratos) atingiram também valores muito baixos. Ora, estamos a caminhar para um tempo em que já nem alguns spreads cobrados chegam para absorver a taxa euribor negativa, pondo o banco na situação de ter de nos pagar.
Como foi já decidido que relativamente aos depósitos, a taxa negativa teria de parar quando chegasse ao nível zero – por isso é que a rentabilidade dos depósitos é hoje praticamente nula –, o Banco de Portugal quer que os deputados legislem para que aconteça o mesmo relativamente aos créditos concedidos.
Bloco de Esquerda e PCP pediam há muito que fossem aplicadas as taxas de juro negativas. Os socialistas andavam a hesitar e, por isso, decidiram ouvir primeiro o governador do Banco de Portugal sobre o assunto, para saber o impacto que nisso teria no sistema financeiro. Depois do que ouviram, prometem refletir antes de decidir.