LEIA A CARTA DO ENGENHEIRO BELMIRO DE AZEVEDO A PROPÓSITO DA ENTREVISTA QUE CONCEDEU À VISÃO
Carta
Uma passagem da entrevista que dei à VISÃO – concretamente o trecho em que me refiro ao Prof. Cavaco Silva, chamando-lhe “ditador” – suscitou tantas e tamanhas reacções que me vejo obrigado a solicitar a publicação do seguinte esclarecimento.
É bom de ver que não empreguei a expressão num sentido político. Deste ponto de vista, ninguém pode razoavelmente pensar que o Prof. Cavaco Silva seja realmente um “ditador”, ou pretender que é esse o juízo que faço a seu respeito.
Usei a palavra com o significado figurado que ela também tem, como sinónimo de “autoritário” ou “prepotente”, mais precisamente como adjectivo com que se qualifica quem exerce o poder de forma implacável ou desapiedada, sem revelar pelas outras pessoas sentimentos ou consideração. Recordo que o termo aparece a propósito da demissão compulsiva de quatro ministros, que entendo ter sido feita sem a cortesia que os visados mereciam.
Sucede, todavia, que tão-pouco considero que, nessa acepção, o Prof. Cavaco Silva seja de facto um “ditador”. Creio que o terá sido uma vez ou outra, designadamente nas circunstâncias acima referidas, mas seria injusto definir um traço do seu carácter, de um modo tão peremptório, a partir de comportamentos meramente episódicos.
Em minha opinião, o Prof. Cavaco Silva é “ditador”, sim (e daí porventura que o termo me haja acudido ao espírito, durante a entrevista); mas é-o só no sentido que dou à expressão quando frequentemente digo, referindo-me até a mim mesmo, que “às vezes é preciso ser-se ditador”, querendo com isso significar que o titular do poder de decisão tem, a certa altura, de impor o seu critério, não fazendo do “diálogo” e da procura de consensos um espartilho que o agrilhoa e o imobiliza. Faço ao Prof. Cavaco Silva a justiça de reconhecer que ele nunca se furtou a assumir as suas responsabilidades e a decidir pela sua cabeça, apenas porque esta medida ou aquela não era “consensual” ou podia suscitar antagonismo. Outra coisa é que tenha sido sempre um “bom ditador”, ou seja, que tenham sido sempre acertadas as suas decisões; muitas vezes discordei dele, e até o próprio já reconheceu in illo tempore que também se engana, embora só “raramente”…
A entrevista à VISÃO consistiu numa longa conversa, e não me foi proporcionada a oportunidade de rever provas, para polir uma ideia ou outra. Bem se sabe como o improviso oral é inimigo do rigor: jamais teria escrito a frase em causa, nem ela teria sobrevivido a um exame crítico da transcrição a que pudesse ter procedido.
Nunca fui de adocicar a linguagem. Considero mesmo que uma das principais razões do marasmo nacional, da “morte lenta” de que agora se fala, radica na falta de coragem de falar frontalmente, sem receio de agastar o poder (se bem que a experiência é que o poder retalia) ou de ferir susceptibilidades. Mas quem não discursa sempre “água destilada” às vezes comete excessos, e ponto é que saiba admiti-los. Estando em causa a figura do Chefe do Estado, reconheço que devia ter sido mais cuidadoso na escolha das palavras; e, de o não ter sido, aqui me penitencio.
Nota da Redacção:
Aproveitamos para fazer as seguintes correcções: 1. Onde, na abertura da entrevista, se lê que Belmiro de Azevedo pode “reunir os três filhos, os sete netos, os antigos colegas de basquetebol”, deve ler-se “antigos colegas de andebol”. Na verdade, Belmiro de Azevedo nunca foi jogador de basquetebol. 2. E quanto à afirmação segundo a qual o fundador da Sonae gosta de estar no “escritório improvisado” da sua casa do Marco, Belmiro sublinha que o escritório não é improvisado e que “foi pensado e adaptado, mas com muito gosto”.